
"Assim, se o PS não é ainda o partido único, a verdade é que diz que se a unidade se não faz à sua volta, então é ilegítima! Isto é uma monarquia “ideológica” liberal mas é ainda uma monarquia ideológica. Não é o partido único mas é o partido-mestre, intercalar entre o único e o vário, entre o socialismo e “o resto”, meio-único, mexicano ou institucional, sucedâneo do único – e também, nesta versão, afinal, intermediário ou intercessor, junto do mais único de todos os partidos, aquele que já é mais do que um partido, quando os outros ainda o não são bem, o Partido Comunista. É como uma escadaria, em suma.
Há aqui uma lógica de patrimonialismo ideológico que tem, aliás, a Constituição pelo seu lado. E porque não haveria de ser assim se a Constituição também está do lado do PS? Para um partido, ainda por cima sentimental, é indispensável que o amor com amor se pague. A Constituição, de facto, permite ao PS repousar sobre a predestinação a que ela o vota. A Constituição é, de facto, garante do poder ideológico, pelo menos garante de uma certa confessionalidade laica do Estado, tanto ou mais do que garante da liberdade. Demasiado fechada à volta de uma ideologia e de algumas organizações, a Constituição hesita demasiado entre o CR e o Povo, entre o “poder” popular e o poder eleitoral, entre os militantes socialistas e os votantes de todos os partidos. (...)
A Constituição é pois uma escritura da nova propriedade socialista do regime. (...) Numa visão mais pessimista, dir-se-ia, até, estarmos perante um esboço de “Estado Novo Socialista”, uma nova Democracia Orgânica, agora Socialista."
(Francisco LUCAS PIRES, artigo no Diário de Notícias, 10 de setembro 1980)