Que estimulante exercício aquele que se prende em vislumbrar os movimentos de massas sob jugo das mais variadas formas de dominação, seja ela política, comercial, desportiva. Estimulante porque é altamente observável pelo mais distraído “analista” mortal que se predisponha a desligar-se dos alvoroços que o possam atrair a corroborar com as dinâmicas de grupo. Talvez cometa um erro grave ao partir do pressuposto de que o indivíduo não é atraído pela atracção colectivista e estaria a ignorar os exemplos de entrega à comunidade que a história documentada nos oferece. Aproveito então para corrigir: passo então a assumir que o divertimento que advém da observação diária da irracionalidade dos comportamentos de grupo é algo que respeita aqui à minha pessoa, tal sempre foi a minha enorme aversão e até imunidade às febres aglomerantes. Orgulho-me disso regularmente.
Assistimos nestes dias a um exemplo por excelência daquilo a que estou a aludir: O Mundial de Futebol 2010, ou como outros lhe chamam, A Copa do Mundo, os nossos irmãos brasileiros que são quase que uma caricatura do típico apoiante incondicional do fenómeno futebolística apesar de toda a intempérie socioeconómica ou vazio cultural que o possa varrer. Nem preciso de vir com críticas xenófobas porque tal tendências fascizante nacionalista não é meu tom. E não preciso nem teria moral para o fazer, mesmo que o quisesse, porquê? Porque estou em Portugal; um país onde se trabalha metade do ano para pagar os tributos ao feudo que retribuí mal e porcamente, porque aquilo que nos querem dar a comer à força não é o que vinha no menu, ou o cozinheiro mudou sempre para pior, ou o chefe de cozinha, autor das receias não acreditava que pudessem ser confeccionadas sem saírem queimadas ou a nossa cozinha anda numa enorme confusão e não nos deixam entrar para conhecer as condições. O mal é que neste restaurante, independentemente do que se passar, dos funcionários aos ingredientes, no fim pedem-nos a conta e ninguém sabe do livro de reclamações. Onde entra aqui o futebol? Entra na mobilização de grandes contingentes em busca dessa mercadoria fácil, engendrada pela indústria do espectáculo, no descomprimir de frustrações e inculcamentos, no extravasamento da imediata necessidade de libertar a violências e do êxtase na sensação de disputa e vitória. E nisto até eu dou comigo a cantar o “Waka Waka” da famigerada Shakira.
Friso que nada tenho contra o desporto, sobretudo se for esgrima, hipismo, ténis ou pesca onde podemos conciliar a saudável manutenção da condição física com o cultivar das tarefas individuais, bons momentos de reflexão e de estimulação da auto-estima. O meu desconforto vem mesmo da atomização que não deixa ninguém indiferente e dos auto-convencimentos que resultam na fase posterior quando o indivíduo se depara com a realidade e fica desarmado; aqui o meu sentimento chega a roçar na pena ao enfrentar a condição psicológica que pode tomar um homem nestes momentos e que o pode levar a questionar-se do seu lugar em todo este esquema. A minha aversão não vai ao desporto, não vai aos fluxos de dinheiro que daí resultam, nem na oportunidade de revelar a organização e o valor de determinado país responsável pelo evento. No futebol como em qualquer fenómeno de massas, a minha irritação é reservada aos mais ingénuos, aos indivíduos facilmente instrumentalizados e alienados, naqueles que não têm muito mais para além daquilo que conseguem demonstrar para fora dos limites do Coliseu onde se digladiam frustrações.
E este curto desabafo vem a propósito de um filme que vi na semana passada: “A Onda”, 1981. Um filme baseado em factos reais que expõem de forma clara a irracionalidade a que o mais racional ser humano se pode fazer incluir, sob jugo de uma doutrinação de ideias fáceis e militaristas de grupo. A essencial moral do filme seria a de nunca perder a noção do razoável e do imperativo da consciência individual nos momentos em que somos incrivelmente persuadidos e, acima de tudo, ter uma dimensão histórica e humildade para reconnhecer que em muitos contextos do passado faríamos parte daqueles que deixaram as coisas acontecerem.
A decisão de gozar de uma plena consciência individual parte de cada um por vontade própria. Pessoalmente prefiro acreditar na natural tendência egoísta do ser humano porque me parece mais convincente e assimilável, se bem que essa minha percepção está relativizada a mim, possivelmente por pertencer à classe dos individualistas exacerbados e sem escrúpulos. Cda um sabe de si e das suas intenções.
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