quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Mostra-me essa cara laroca


Está na hora dos temas quentes para dar movimento ao "virar a esquina"! Trago cá vontade de expor a minha ideia acerca do que anda a ser discutido e aprovado na França, a propósito da questão da utilização de véu pelas mulheres islâmicas. Se me abstraísse dos códigos normativos que regem o quotidiano em todas as partes do mundo e me fixasse só nas ideias a que fui acostumada desde pequena, provável seria que eu abominasse desde já qualquer restrição das liberdades de quem quer que fosse por meio de justificações de um alarmismo securitário exagerado (e será que é exagerado?...). Nem me empenharia muito em tecer juízos acerca de burkas e véus e afins porque aí entrava a minha opinião que, sem dúvida, poria fim a essa abominável ofensa ao valor do ser humano e que, na minha cabeça, nunca será entendido nem que venha aqui a rainha da Jordânia sorrir-me, nem que me queiram convencer que a mulher tem muito orgulho e que se sente respeitada em tais circunstâncias. Mas são particularidades culturais, tudo bem...

Porém, não nos deparamos com um homogéneo respeito pelas liberdade dos indivíduos nas terras deste mundo e nem tudo é belo e fácil. Não existe uma respeitabilidade recíproca entre todos os Estados e civilizações, e disso todos estão certos, não é novidade. Se eu própria, enquanto ocidental, europeia, cidadã portuguesa, quiçá cristã, me decidir a ir de férias para um país como a Arábia Saudita (não sei se vou, talvez se me pagarem bem) sou forçada a cobrir-me e a sujeitar-me à segregação a que me quiserem obrigar. E que posso eu fazer? Fui por livre vontade e assim se vão aprendendo as lições do choque de civilizações porque há quem não abdique dos moldes patrióticos e religiosos (e muito bem, porque é natural como a água e ninguém vai preso por ter uma consciência bem acesa da sua nacionalidade).

Eu teria então de me esconder enquanto “usufruía” da estadia. Não vale a pena reclamar e não estou aqui para dar lições de civismo e moral a ninguém porque cada um faz figura por si. Igualmente, também não admito ao lado de lá que me tente subjugar como se eu fosse um poço de pecado a sacrificar. É assim que nos entendemos (idealmente). Neste assunto também não vale a pena recorrer ao mais que saturado discurso multiculturalista porque de boas intenções está o inferno cheio e há subtilezas que aproveitam sempre essa maré de vitimização e de compaixão pelos injustiçados para conseguir fazer desfilar a bandeira do extremismo nas ruas europeias. Sim, nas ruas, nos espaços públicos. Não está em curso nenhuma artimanha legislativa para amordaçar os direitos individuais das mulheres islâmicas em espaços privados. Unicamente em espaços públicos onde existem numerosos regulamentos em outros aspectos que já estão incorporados e interiorizados no nosso dia-a-dia (em muitas vezes, que peso nos fazem!).

Se em muitos países árabes não se equaciona jamais a possibilidade de a moral ocidental se intrometer nas institucionalizações dessas nações, porque raio de ideia é que um Estado europeu com valores humanos consagrados ao longo dos anos não pode fazer valer a sua identidade? Agora perguntam-me: Isso não trará consequências nefastas para muitas mulheres islâmicas em França, nomeadamente no acesso aos cuidados de saúde e à educação? Bem, perguntem aos varões que tomam conta delas...Não, agora falando a sério; com certeza que trará e, aí, cada indivíduo, cada família, terá de conjugar a normativa civil com a normativa religiosa como achar melhor porque estão em terreno laico e há que ceder ao que domina, se acharem que compensa estar num país europeu nessas condições, escolhendo e cedendo.

5 comentários:

  1. A grande dificuldade está em dar ao Estado o direito de restringir a liberdade religiosa aos cidadãos, liberdade essa que tem todo um conjunto de tradições agregadas, e é certo que, mesmo eu não concordando com as tradições nem preceitos de nenhuma religião, não acho que caiba ao Estado ocidental proibir a alguns indivíduos o direito de terem a sua fé. Qual seria então a credibilidade dos cidadãos estrangeiros em exigir a sua liberdade de escolha em países árabes ou com tradições semelhantes?

    A dificuldade que ainda existe no ocidente de aceitar-mos o multi-culturalismo é enorme. Na minha opinião não cabe ao poder político proibir ou privilegiar nenhum direito ou dever religioso. "A César o que é de César!"

    O poder político deve ser secular e deve ter tão pouco a ver com a religião e com os seus assuntos como vice-versa, cabendo apenas ao poder político (republicano) zelar pela liberdade de cada um ter as crenças que desejar sem ser alvo de discriminação.

    Falas de França. Portugal tem o mesmo erro de dar a ribalta a uma religião apenas, a Igreja Católica Apóstólica Romana, dando lugar no conselho de estado (é certo que apenas consultivo) a uma personalidade deste culto, sem dar lugar a outras. Ou é para todos ou não é para ninguém, certo?

    Tiago S.

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  3. Dificuldade em aceitar o multiculturalismo?

    "Qual seria então a credibilidade dos cidadãos estrangeiros em exigir a sua liberdade de escolha em países árabes ou com tradições semelhantes?" se eu for, responsabilizas-te por mim? Só tenho de pensar numa forma de me exibir, principalmente se me toamr como protestante. Sacos de batatas enfiados na cabeça sabes que não uso. Depois penso em algo giro e impactante.

    agradeço o teu post e sei muito bem onde ficava bem! com certeza que aplicado em países muitos estranhos ao ocidente. Fica muito mais exacto quando pensamos em países que continuam a ter preguiça de legislar em vez de citar os Ceus.

    "não acho que caiba ao Estado ocidental proibir a alguns indivíduos o direito de terem a sua fé."
    Não creio que esteja isso em causa na decisão francesa mas se reduzes a fé a isso, ok.

    "A César o que é de César", gosto sim! E a propósito, como diria Mafalda Revés, "em Roma sê romano!". Neste caso em que opino, é bem mais pertinente.

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  4. Usares termos como "sacos de batatas enfiados na cabeça" mostra, e sabes quanto te adoro Dani, a dificuldade de resolver e de balancear as questões culturais.

    A fé, tal como as crenças em muita coisa, são o que as pessoas querem que seja, isto, na grande maioria dos casos.

    Adoro a frase: "continuam a ter preguiça de legislar em vez de citar os Céus", seriously!

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  5. ops, um lapso meu...

    *continuam a ter preguiça de legislar e preferem persistir em citar os Céus.

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