terça-feira, 26 de julho de 2011

Acaso

As emoções tornam tão irrepetível tudo o que vivemos que, depois de vividos, todos os acontecimentos... «já eram». Isto é, por mais que os tentemos descrever, deixam de ser, exactamente, como os vivemos e, por isso, tornam-se... mentira. - Eduardo Sá

É um pouco vago e insatisfatório ouvirmos alguém responder-nos que o tempo traz o que tanto ansiamos. Dizem que "é preciso ter paciência porque o que tem de ser, será". É mais fácil entender a vida como um percurso que se acumula de êxitos conforme a habilidade das nossas escolhas e então somos donos do nosso destino. Somos de facto… mas os efeitos das nossas escolhas é que são incontroláveis e nunca saberemos o que desperdiçámos se tivéssemos optado por outras alternativas.


Só ganhamos respeito pela possibilidade de algo na vida não ser por acaso quando o mais improvável acaso nos preenche a vida com insondáveis dádivas. Descrever aquilo que vivemos implica um esforço que se mostra inútil tanto para nós, que tentamos remontar ao passado para compreender a real dimensão do que a nós se proporcionou, como para os outros que, provavelmente, não prestarão a atenção que o facto merece. Ter pensado como era aborrecido, não vinha nada a calhar, não era o que planeara, iria perder algum tempo que me era imprescindível, exigiria depois um esforço compensatório por tomar um caminho que não estava previsto, era uma irregularidade, um corpo estranho ali. Por cortesia ou obrigação, um pouco de não intencional cinismo, adaptação e uma simpatia perto da indiferença. Num esforço por atender a um imprevisto que não atrai à primeira impressão, ceder, acabou por ser a decisão. Muito fácil é virar as costas quando corpo e mente têm preguiça de fazer algo que não tinha sido programado e interiorizado mentalmente. Recordar a pouca vontade que esteve envolvida na decisão do passado que quase nos separou de uma mudança que nos deu tanto até ao presente deixa-nos numa meditação que não oferece resposta racional. Valorizam-se os mais insignificantes momentos quando, ao fim de algum tempo, notamos que estamos confortavelmente cercados com tudo o que esse momento no trouxe.

Há coisas que não exigem técnica e experiência, não há como calcular, prever, não se atinge por perícia; essas coisas acontecem no ambiente mais irreflectido e improvável. Não há forma de aprender a estar no sítio certo, à hora certa, simplesmente acertamos. E ao pensar agora na penúria que a vida seria, se despojada de tudo o que passámos a incluir desde aquele momento até então… fica um pesado silêncio de respeito perante o incontrovável que dá a reviravolta e apaga a memória do que estava antes, de tão insignicante e vazio que era. Pensar que poderíamos nunca ter correspondido à mudança de trajecto e aí, tudo… quase tudo, seria completamente diferente. É inconcebível e penoso demais para sequer pensar nisso. Ainda bem que estas coisas acontecem.

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