Perante uma briga no recreio entre um filho e um outro colega, quantos de nós sairíamos de casa, de arma em punho, dispostos a aniquilar todos os filhos dos nossos vizinhos? Seria obviamente uma acção desproporcional e – a menos que um pai muito rancoroso considerasse isso racional dentro da sua percepção de valor – a maioria de nós concordará que os custos que decorrem dessa atitude seriam incomparavelmente superiores aos benefícios e a via pacífica do diálogo entre os envolvidos, seria preferível para prevenir futuros incidentes. Contudo, não é este entendimento que está subjacente às intervenções do Estado e as justificações para esforços adicionais que a democracia protagoniza estão, não raras vezes, alheias a cálculo de respeito pelas liberdades dos indivíduos.
Na presente época eleitoral nos EUA, Ron Paul é um visto como infiel, um perigoso pacifista e "isolacionista", em ambiente de cruzadas santas. A resistência republicana conservadora continua abraçada aos interesses corporativos e a promover o genocídio que assenta na mesma propaganda que "incendiou" a Europa, na primeira metade do séc. XX e que institucionalizou o dualismo moral das guerras em nome da segurança da democracia, desde o legado do presidente Wilson. Só uma visão bipolarizada e viciada da realidade mundial pode explicar a continuidade destes defensores do intervencionismo desmesurado que provoca indecisão até no pensamento de alguns liberais, esquecidos estes de que a paz é a condição fundamental para o livre comércio e respeito mútuo entre as nações. É curioso observar que são os próprios militares e veteranos de guerra a apoiar Ron Paul, sendo que em 2008, o financiamento destes ao candidato libertário superou a quantia total dirigida aos outros candidatos republicanos. Entretanto, a incoerência de declarar guerra a países considerados "não democráticos" para os educar e evitar conflitos futuros fica imune a críticas graças à legitimidade da democracia como religião política contemporânea.
Considerar que as forças de protecção monopolizadas pelo Estado são insubstituíveis porque terão como atributos a prontidão, infalibilidade e imparcialidade é ignorar todos os desperdícios da ambição expansionista e esquecer que todas as necessidades no mercado motivam o surgimento de oferta diversificada que maximiza a qualidade do serviço e adapta a acção no sentido da eficiência, neste caso, na defesa pura de vida, corpo e propriedade. Enquanto cada um de nós reúne informações próprias e únicas que permitem entender se precisamos de câmaras de vigilância espalhadas pela casa ou se podemos ausentar-nos por momentos e deixar a porta aberta, o Estado democrático não tem limites e graus ponderados de prevenção e violência a aplicar, pois despende muitos recursos na procura de alguma informação possível e organiza os meios, somente em favor dos grupos que são mais determinantes para a reeleição.
Produção de segurança puramente privada é superior a qualquer esquema compulsivo, pois encontra alternativas na ordem social que conseguem ser altamente especializadas e respondem de forma mais produtiva com melhores produtos às necessidades particulares. Se uma agência de segurança privada não é mais eficaz e menos dispendiosa, como explicaremos as escolhas em favor do fornecimento privado de segurança nas Universidades, Hospitais e em muitos outros espaços, quer públicos quer privados? A normalidade com que decorre o seu desempenho mostra que os "mercenários" não envolvem um risco maior que dê azo a abusos, comparando com a segurança de provisão estatal. É, por seu turno, a militarização das democracias e um certo incitamento ao ódio que sustenta decisões que não são racionalmente úteis para a sociedade e até os militares perdem noção de preço dos actos. O Estado define o valor aceitável para dada "missão" e reduz tudo a uma escolha moral colectiva. Isto esvazia a função de defesa e conforme o testemunho de Roman Skaskiw, – enquanto veterano de guerra norte-americano convertido à escola Austríaca – hoje, o papel do soldado como provedor de segurança é de importância secundária porque funciona mais como expressão de orgulho e identidade nacional. Isso seria muito difícil de imaginar numa agência privada. Skaskiw defende ainda que os preços de mercado e patrocínio voluntários são restrições muito mais eficazes para moderar o belicismo do que qualquer constituição.
Ninguém fica satisfeito com um alarme que está constantemente a disparar, não estamos descansados se o nosso cão de guarda morde todos os nossos vizinhos e também não permanecemos num espaço comercial por muito tempo se a presença dos serviços de segurança se sobrepuser a todo o ambiente. Estes exemplos têm em comum a perda da utilidade para o qual estariam destinados, porém, são facilmente corrigidos pela adaptação dos nossos comportamentos. Pagar custos directos da guerra é passo decisivo para a paz porque se a ligação entre financiadores e beneficiário desaparece, vai incentivar a criatividade ilimitada face a inimigos externos e a invocação de consenso democrática para dar espaço a free-riding. Lidar com o perigo que tem uma certa probabilidade de acontecer e proteger a vida e os bens materiais deve estar intimamente ligado às preferências dos indivíduos e à intensidade do esforço que estão dispostos a empreender.
Assim como na segurança interna, também a nível externo a indústria da segurança privada está em clara expansão e o leque de oferta é bastante variado. Estas agências são, frequentemente, contratadas também pelos próprios governos o que deve suscitar algum cepticismo, face à possibilidade desta alternativa ser desvirtuada e usada para canalizar, por via indirecta, recursos dos contribuintes para favorecer pactos com algumas destas agências. Embora os incentivos que potenciam a corrupção das instituições, públicas ou privadas, estejam sempre presentes, vale a pena referir exemplos que revelam a operacionalidade das alternativas. Entre as muitas agências que se têm multiplicado, encontram-se: Chase Waterford (Personnel e Special Projects), AirScan Inc., Background Asia, ArmorGroup International, e ainda Academi (inicialmente denominado Xe Services LLC), entre muitos outros exemplos espalhados pelo mundo.
Enquanto o estado conserva a função de protector mas serve-se dela para justificar a agressão incessante e tributação pesada sobre os cidadãos, uma agência privada não pode voltar-se contra os seus clientes graças à concorrência frente a agências que ofereçam melhores condições.
A ideia de que as democracias não iniciam guerras e que não se desenvolvem guerras entre estados democráticos tornou-se um axioma entre especialistas de relações internacionais e burocratas ocidentais que actuam sobre o "chapéu" da defesa dos direitos humanos. A luta contra as supostas autocracias e a condescendência para com intervencionismo norte-americano mostram como a tendência para a violência pode arrastar até o apoio popular de forma gradual, perdendo de vista o respeito pelo território de terceiros e a racionalidade de resposta exclusivamente em caso defensivo.
A própria lógica eleitoral reúne incentivos perniciosos que levam à militarização sem preocupação pela preservação da propriedade, ao contrário da moderação com vista ao longo prazo que é característica das monarquias. O comportamento beligerante leva a uma centralização de todas as infra-estruturas em torno de guerras ideológicas distintas de outras soluções em que os indivíduos escolhem entre agências quando percepcionam o perigo que justifica o investimento. Escolhem pela prevenção e defesa sem atropelar as prioridades diárias, como o comércio e os assuntos da comunidade local comum, com um discurso atemorizador permanente. Os próprios relacionamentos de proximidade inibem focos de violência e as sanções morais e vínculos entre indivíduos desempenham a função dissuasora que nenhuma estrutura coercitiva artificial pode suplantar.
Publicado inicialmente em Movimento Libertário.
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