Conhecendo as despesas associadas à segurança social, saúde, educação e infraestruturas, poderíamos pensar: “porquê falar na televisão pública?”. Mas acreditamos que quando toca a depredação de recursos dos cidadãos, cada tostão merece atenção porque não é uma questão de gravidade consoante a quantidade mas sim de imoralidade em absoluto. Importa ainda mais se estamos perante a “vaca sagrada” da comunicação nacional que é um peso morto de prejuízo, um verdadeiro novelo interminável de prejuízo enrolado e embaraçado por actores políticos e grupos de interesse à sombra do Estado.
Passemos em vista alguns dos contributos da estimada televisão pública: debates inconclusivos, moderados por apresentadores enviesados e de mente tacanha, cujas intervenções são provas sistemáticas da fraca habilitação para comentar seja o que for; escamotear problemas regionais pintando um quadro incompleto e enfadonho nos programas matinais com mais oportunismo do que uma agência turística fraudulenta; desproblematizar casos de pequena e média criminalidade; falsear estabilidade política e omitir fracassos e escândalos que viriam confirmar a aptidão da democracia em favorecer e premiar os mais degenerados e corruptíveis. A lista seria longa.
Os acérrimos defensores da televisão estatal que confessem quanto tempo diário se expõem à educação e entretenimento que consideram imprescindível a esse público passivo e amorfo que tanto gostam de moldar e instruir. Que apontem onde está a especialização e a oferta que nenhum operador privado estaria disposto a oferecer. Apesar da debilidade de justificações em favor do serviço público, a efectiva privatização continua encalhada entre a influência dos operadores instalados que esperneiam e a resistência democrática que declara ser demasiado caro privatizar e reestruturar.
O público não é passivo como alguns legisladores gostariam que fosse – por curiosidade, recorde-se a recente manifestação do Bloco de Esquerda em Parlamento no sentido de proibir a exibição televisiva de espectáculos de tauromaquia – e privar o acesso ao que é definido como “mau”, “impróprio”, em favor da agenda promovida como “progressista”, “saudável”, “educativa” é cada vez mais uma tarefa impossível quando existe a soberania do zapping. Não só a escolha distribui-se agora por um leque alargado de 100 ou 200 canais temáticos, como também, é inegável a prevalência da internet como meio privilegiado da informação bidirecional, pois as pessoas não se sujeitam a perder tempo com interesses mal correspondidos e pouco apelativos. Aqueles que temem o comportamento de um ser humano com o comando na mão são os mesmos que ousam restringir as opções de um consumir, num supermercado, em dia de promoções. Se na série de ficção exibida pela RTP, “Conta-me Como Foi”, toda a família ficava, impávida e serena, exposta aos conteúdos que o Estado lhes apresentava, não julguem os legisladores que, em pleno século XXI, ficará alguém na sala, para além da avó.
Talvez os danos mais destrutivos não se fiquem pela factura que é apresentada todos os anos aos portugueses mas sim, a um maior alcance: algum isolamento nacional fica evidente quando a discussão de alternativas que são o “pão nosso de cada dia” em outros países, ainda são motivo de escândalo, silêncio ignorante e olhos arregalados no nosso país.
Não chega privatizar um, ou alguns canais. Não se trata de mudança meramente justificada por contenção orçamental (embora seja mais urgente do que nunca). Se a situação fosse de grande folga financeira já poderíamos aceitar a existência de rádio e televisão estatais que estão imunes à concorrência na captação de audiências e que contam com financiamento garantido à sua inviabilidade? Obviamente que não, como tal, defendemos a extinção por inteiro.
Há também aquele argumento de que se não fosse a RTP2 (canal de minorias, por definição), muitos programas culturalmente relevantes cairiam no esquecimento e não haveria oportunidade de os visionar. Parece um argumento fraco, pois quem tem muito interesse num determinado bem educativo, entretenimento ou informação, está disposto a um esforço adicional para aceder-lhe, ou adiar e até privar-se dele quando os meios pessoais não são suficientes (meios cada diversificados e acessíveis). Não existem almoços grátis…nem concertos, nem concursos, nem filantropia de pacotilha apresentada por apresentadoras generosamente remuneradas, nem filmes mudos às 2h da manhã. Tudo tem o seu preço e os portugueses estão a pagá-lo por meio das indemnizações compensatórias e da contribuição audiovisual cobrada na factura da EDP. Se algum de nós tiver um estábulo e quiser aproveitar ao máximo aquilo que paga pela electricidade, faz bem em deixar as vacas verem a Praça da Alegria. Em 2012, aponta-se agora para um gasto na ordem dos 508 milhões, suportado pelo Estado [1]. Acreditar em contenção é ignorar a natureza expansionista dos gastos públicos, pois em 2011: “Os gastos operacionais atingiram os 306,6 milhões de euros, crescendo 17,0 milhões de euros face a 2010”. A RTP acumula, por exemplo, responsabilidades que passam pelos “benefícios pós-emprego – reforma” e “plano de assistência médica – privados”, apoios que abrangem saídas voluntárias dos seus funcionários. Só em “férias e subsídios de férias foram gastos mais de 10 milhões e meio, no ano passado. Falamos numa média de 2.183 empregados [2] e de um salário médio anual que ronda os 40.000€ [3].
A viabilidade de produzirem conteúdos diferenciados é nula, embora no contrato de concessão da RTP esteja enunciada, entre outros itens, a obrigação de “combater a uniformização da oferta televisiva, através de programação efectivamente diversificada, alternativa, criativa e não determinada por objectivos comerciais”. O país dispensa a existência deste canal mesmo que interesses de outros operadores privados afirmem que não há espaço para mais canais comerciais; estes temem descobrir que afinal não são tão rentáveis e que afinal só subsistem através de chantagem e de barreiras ao avanço de rivais, potenciais captadores das cobiçadas receitas publicitárias. Se não há espaço para todos, alguém terá de sair “borda fora” e sairão invariavelmente os mais incapazes. Neste, como em todos os casos, a desconsideração pelo cidadão e a fraca qualidade do serviço acontece onde existe a subsidiação, directa da RTP e indirecta dos restantes canais.
Os telespectadores preferem uma análise posterior ao relato dos factos e os canais públicos vêem-se também compelidos a acompanhar essa tendência. Esta forma de fundar uma opinião imediata e generalista sobre os assuntos é valorizada cada vez mais, para o bem e para o mal; pensar na fonte de reforço diário de poder que um canal público pode constituir, é razão suficiente para desejar a sua extinção.
Imparcialidade e independência não distinguem o serviço público, ao contrário do comumente afirmado em sua defesa. É preferível estarmos cientes de que a neutralidade não existe e o interesse dos accionistas vai ter sempre impacto na informação veiculada. Cabe a cada um escolher os conteúdos que terão sempre alguma subjectividade incluída mas ninguém pode forçar todos os cidadãos a pagarem a farsa imposta e consagrada na Constituição (nº5 do Artigo 38º). A experiência habituou-nos a intuir que quando uma oposição política levanta a voz para denunciar manipulação política dos meios de comunicação públicos, fá-lo somente por inconformismo face à desvantagem que depressa compensariam depois de uma eleição favorável.
Em suma, defendemos que a preservação de meios de comunicação tutelados pelo Estado é incompatível com um ambiente de difusão livre de informação em que cada indivíduo é responsável pelas suas escolhas de lazer, educação e informação; rejeitamos a delapidação de recursos com vista em alimentar uma máquina condicionadora de opiniões, de comportamentos e de ofertas culturais seleccionadas pelos intelectuais do estado para a “ralé”. E se nos questionarem sobre a coesão nacional? Bem, os laços identitários entre portugueses nasceram muito antes da fundação da Emissora Nacional em 1935 e nunca dependeram de estímulos engendrados por decisores políticos e de programas televisivos que ofendem a sanidade mental de qualquer um. Pelo contrário, a nacionalidade foi, muitas vezes, a força motriz da destituição de governos não consentidos e de projectos fúteis dos seus governantes, como é o caso da RTP.
[1]http://www.agenciafinanceira.iol.pt/media-e-comunicacoes/rtp-miguel-relvas-estado-relvas-ar-privatizacoes/1360644-5239.html
[2]http://ww1.rtp.pt/wportal/grupo/informacao_financeira/rc_anual.php
[3]http://economico.sapo.pt/noticias/salario-medio-na-rtp-supera-40-mil-euros-por-ano_127371.html
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