Nos últimos dias tenho observado diferentes posturas diante das eleições presidenciais que se aproximam. Será muito preocupante admitir que não consigo encontrar a mais pequena motivação para participar no referido acto? Começando logo pelo simples repúdio dessa obrigação moral que é transmitida por muito boa gente que se estreia nestas andanças e que esperneia de preocupação e ansiedade perante a abstenção. Essa cidadania que se roga a mobilizadora da própria e das dos outros num desespero de principiante e que fica histérica quando orgulhosamente dá conta de que anda com mais vontade de assistir aos tempos de antena do que antigamente. Para estes, tão aplicados pelo bem maior, a abstenção reduz-se a motivações muito simples: ignorância, desinteresse ou outra espécie abominável de analfabrutismo (que será uma junção das duas primeiras); nada bonita, esta superioridade que subestima a capacidade reflexiva dos companheiros, simplesmente porque estes não conseguem engolir tão facilmente o leque de escolhas. Não digo que não esteja parcialmente integrada no grupo dos remediados que engolem sapos e que se acostumam às ideias mas não há humilhação para quem não desperdiça actos sem uma prévia reflexão pessoal e mude de ideias no decurso que é destinado a essa mesma reflexão.
Tendo a presunção de afirmar que na verdade o meu voto nas presidenciais não vai influenciar absolutamente nada da minha vida nos próximos 5 anos, atentando às tristes individualidade que se candidatam, às competências do cargo em questão e às condições que o país atravessa, sinto-me no direito pessoal de me dar ao luxo de não votar porque defendo (estúpida e tacanhamente, chamem-lhe o que entenderem) que a abstenção é uma das maiores chapadas que os candidatos podem levar. Mesmo vencendo, fica um sabor amargo, uma hostilidade latente e um engolir em seco. Mesmo ficando em casa, posso respirar de alívio por não ter agido em função de uma utilidade que alguém convencionou ser maior, ou por ter empenhado forças em algo a que os meus ideias não eram totalmente receptivos e satisfeitos.
Um jogo de entretenimento focado em questões de seriedade, sobre quem tem a "maçã de Adão" e as rugas mais salientes, quem é mais nobre e austero, quem foi mais justo na vida privada e na gestão das suas economias, quem foi mais valente em cenários de guerra, quem fugiu e quem salvou, uma luta de carácteres fortes ou meigos, luta pelo detentor da seriedade, quem consegue pregar com mais credibilidade as larachas do justo e do integro, de quem instrumentaliza os sentimentos mais primitivos e perigosamente apaixonantes da fraternidade e da pátria, de quem se distingue destes facilmente identificáveis mas ataca pela subtileza da tecnocracia competente e objectiva.
Quando um debate político se digladia em torno de questões de integridade, honestidade e vida privada, quando esta confusa e volátil construção de acusações morais vs exultações de personalidade, quando há quem tenha muita forma e conteúdo inexistente e cometa erros crassos, ou forma com conteúdo inútil, (ou até quem não tenha nem uma coisa nem outra, cada comunicação é uma humilhação) é legitimo, sim, afirmar que não há motivação para o acto eleitoral. Em vez de desresponsabilização ou comodismo, muito pelo contrário, é uma liberdade de não querer pactuar com a encenação e a aglomeração irracional em torno de determinado produto. Será possível manifestar as razões que levam a repudiar, em particular, esta ocasião eleitoral sem levar com tomates atirados pelas beatas da cidadania responsável?
Com o tempo aprendemos a gerir os impulsos e a distinguir um raciocínio próprio de uma estimulação exterior. Quando reconhecemos que aquela tomada de posição que assumimos numa primeira fase e da qual até, no intimo, nos orgulhávamos como se fosse uma defesa distinta de algo que valesse empenhar forças e que nos diferenciava de outros; quando percebemos que fomos objecto de simples contraposições de males ou de uma propaganda subliminar que vagamente interiorizámos, é sempre tempo de travar essa atitude pessoal.
Quando nos assustamos com a nossa súbita adesão a um candidato ou grupo organizado (não propriamente acérrima, mas mais entusiasta do que seria de esperar) que não corresponde ao que defendemos e até retarda o avanço dos nossos projectos, o melhor será cessar a empreitada e não temer acusações que nos possam lançar porque a indecisão revela também maturidade. Quando nem o mais alto cargo de um Estado merece a ambição de ocupação competente de não mais do que as figuras gastas das últimas décadas, figuras que em vez de denegadas pelo corpo que indiciaria exaustão, mas antes pelo contrário, são mantidas e acolhidas numa inacção confortável ao corpo, perante tudo isto eu vos digo: não há que desconfiar das figuras eternamente estabelecidas pela intromissão na chefia desse corpo mas do próprio corpo que esbarra mais uma vez com as insuficiências que essa abstracção inútil carrega consigo. Estamos sempre a tempo de mudar de trajecto sem receio de sermos julgados pelos nossos próximos pois cada um sabe de si e há muitos que ainda não sabem que não sabem deles próprios porque temem acabar por contradizer a sua consciência às causas a que aderem e a que não têm coragem de se desvincular. Isto não pretende ser um hino à abstenção mas uma justificação pessoal. Não tenho de me justificar mas é um descargo de consciência, uma forma de ninguém me aproveitar um momento vulnerável que me faça sentir uma odiável analfabruta, repudiável pela sociedade só porque não votei na minha estreia em eleições presidenciais, mas preferi exercer o direito de ficar em casa ou de ir votar em branco, (bem mais digno este último).
Sou contra a abstenção infundada. Lutou-se pelo direito ao voto, pelo direito a ter uma palavra no rumo do País, pelo direito a demonstrar a nossa convicção, aquilo que nos move. Peço desculpa se isto é um discurso deveras cliché mas eu acho, e acharei sempre, que, por muito insignificante que seja o meu voto ou a mudança por ele conseguida, não deixa de ser um dever cívico, um dever das pessoas que realmente se preocupam com o seu dia-a-dia, que entendem a verdadeira magnitude que está por detrás de actos tão banais como meter uma cruz num pedaço de papel. Como referi no princípio, sou contra a abstenção infundada. A abstenção do "eles só querem é poleiro", do "oh para mim que me venho queixar para a televisão mas depois fico de cu sentado no sofá a beber cerveja enquanto se decide o futuro do País". Pode até nem mudar nada, o futuro de Portugal pode ficar igual ao seu estado presente mas não seria tudo muito melhor com um bocadinho menos de hipocrisia? Quero referir aqui que não estou a criticar a tua decisão, atenção. Tu tens argumentos para explicar o porquê de não ires votar, argumentos que realmente o são. Não és como o típico Manel ou José que afirma, em horário nobre, a necessidade de mudança e depois vai para a praia trabalhar para o bronze, dizendo, na maior das descontrações, que não vale a pena. Isso sim é abstenção infundada, não o que tu escreveste :)
ResponderEliminarObrigada :)
ResponderEliminarEstou contigo na defesa pelo "direito a demonstrar a nossa convicção, aquilo que nos move". E desta vez nada me move realmente. Se há momento em que duvidamos muito do impacto do nosso voto, esses momentos são por excelência as eleições presidenciais, por exemplo. Se até nos momentos mais difíceis de um país o debate se mantém ao nível que está à vista e os candidatos deixam tanto a desejar, não dão provas de competência, precisam de erratas de um dia para o outro, permanecem dependentes da mais desinteressante e mesquinha guerrinha de manhã à noite ao ritmo noticioso, não respondem às prioridades do país por respeito aos sacrifícios que lhe exigem e quando não se apresenta um único candidato que contrarie o pendor dominante que caracteriza todos os que entraram em jogo, eu arrisco a dizer que não há alternativas reais. Escolhe-se entre semelhantes com roupagens ligeiramente aprimoradas para confundir espectros próximos ou forçosamente aproximados.
E também repudio os josés e maneis que ficam na praia e nunca chegam a saber na vida as competências de um Chefe de Estado! Portugueses bronzeados ou mais branquinhos, activos ou ociosos, mas que sejam interventivos e esclarecidos.
O pior é que tudo isso que dizes é verdade. São os debates em que os candidatos não fazem mais nada do que se acusarem por terem acções ali ou acolá e deixarem de ter, em que os candidatos estão mais preocupados em fazer passar a imagem de que o adversário nada fez para avançar com o País em vez de mostrarem aquilo que podem fazer, aquilo que podem mudar. São os próprios candidatos que, sinceramente, não me fazem ter bem a certeza ainda de em quem votar. Se por um lado temos um actual Chefe de Estado que é aquilo a que se pode chamar nhonhoca, por outro temos um potencial candidato que, na verdade, não passa disso. Todos os anos. Género "mais uma volta, mais uma viagem". E depois temos umas quantas alternativas mas que, a meu ver, não se podem apelidar de alternativas a 100%. Contudo, apesar deste meu parecer, não iria deixar de ir votar se a) estivesse em Portugal no dia e b) não tivesse exames que me impedissem de me deslocar à Embaixada de Roma. Mas sim, "portugueses bronzeados ou mais branquinhos, activos ou ociosos, mas que sejam interventivos e esclarecidos.". Faço tuas as minhas palavras.
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