Na mais recente reunião dos G20, Sarkozy esboçou a sua felicidade pelo trabalho feito e insatisfeito por aquele que ainda está por fazer. Afirmava então: “Não queremos paraísos fiscais. A mensagem é clara (…) os países que acolhem paraísos fiscais que encubram informação financeira serão banidos da comunidade internacional”. Esta empreitada planetária não é mais do que uma das muitas chantagens subtis de intromissão na soberania dos Estados, de desejo de expansão para extracção de recursos e de reforço da popularidade política. Sim, popularidade…a indiferença perante o propósito centralizador em curso é sinistra de tão distante que está da realidade. Esta afeição à tributação como dever de todo o cidadão, interdito do poder de escolher, e responsável perante a sociedade, sem questionar sequer a moralidade da coacção em si mesma recorda-me o comediante Jerry Seinfeld, a propósito de medicação: “Então, eles falam-nos do medicamento que alivia a dor. Ninguém quer algo que seja menos que extra-forte. Extra forte é o mínimo absoluto. Já nem podemos ter só forte…já está fora de moda. Algumas pessoas não se satisfazem apenas com o extra, elas querem o máximo. “- Dê-me o máximo-forte!...Dê-me a dose máxima para humanos! Descubra o que me pode matar e depois recue um bocadinho…”. Porém, a analogia pode não ser a melhor porque a tributação está longe de ser o melhor tratamento para algum problema.
Pactuar com o combate a paraísos fiscais mostra quão débil é a percepção das pessoas quanto às restrições que lhes são impostas e dos efeitos consecutivos no seu próprio nível de vida. Para alvejar desde já a acusação mais vulgarmente lançada à credibilidade e honestidade dos paraísos fiscais convêm frisar que estes países, ocupam os níveis mais positivos quanto ao controlo da corrupção e respeito pelo Estado de Direito. São dados sobejamente conhecidos mas qualquer dúvida, perante este incontornável facto, pode ser esclarecida numa rápida consulta ao Index of Economic Freedom, promovido pela Heritage Foundation ou, a uma fonte menos suspeita, do nosso ponto, numa consulta às estatísticas do Banco Mundial. Cairá por terra a fraudulenta associação de paraísos fiscais a centros de lavagem de dinheiro e corrupção. Certamente que a maioria das pessoas conhece a importância histórica que teve a Suíça como lugar seguro e sigiloso para os as poupanças dos judeus, durante a II Grande Guerra. A alusão a um exemplo tão moralmente sensível faz dele um bom ponto de contraste com os casos contemporâneos. As pessoas que se orgulham em contar esse sucesso podem de alguma forma estigmatizar os paraísos fiscais hoje? O que diriam as pessoas que aprovam a retórica contrária à competição fiscal, sabendo que estas jurisdições continuam a representar a salvação para refugiados, cidadãos arrasados por controlos de câmbio abusivos, governos totalitários, crime endémico, perseguição, étnica, religiosa, etc…? Sem dúvida, o combate a estas soluções e à privacidade tão valiosa em momentos mais críticos é um ataque directo à liberdade e dignidade dos indivíduos.
O apoio que é angariado em torno de discursos como o de Sarkozy, é fundado na mesma ideia sempre inculcada de que os indivíduos nunca serão honestos e bem-intencionados na aplicação do seu dinheiro e quanto maiores forem as quantias em causa, tenderá a crescer a iniquidade do indivíduo; mais fraco e inconsequente será o seu contributo para a sociedade. O pessimismo inveterado em relação ao indivíduo é só um lado da visão dualista dominante que se completa com a ideia de governantes serem agentes desinteressados que gerem eficientemente as receitas fiscais em conformidade com as necessidades de todos.
Quanto menores forem as possibilidades de escape, mais ilimitada será a capacidade dos governos imporem elevadas cargas fiscais sem temerem reacção dos governados. Abolir os escapes por completo, minaria a competição fiscal e o incentivo dos governos seria expandir ainda mais a extracção violenta da propriedade. O discurso favorável a essa ambição de extinguir os paraísos fiscais é, não só um meio de fazer esquecer o carácter legítimo e natural de mobilização em função das jurisdições fiscais mais baixas, mas é também um sinal de intenção em montar uma coordenada cobrança de impostos a nível global como é indiciado pela Nações Unidas, pelos propósitos harmonizadores da União Europeia e pela OCDE com as suas imposições de transparência que significam o fim do sigilo financeiro e da privacidade dos indivíduos. A lista da OCDE dos países não cooperantes em matéria fiscal é uma das mais claras agressões perpetradas pelos países que não toleram que capital e trabalho se desloquem para zonas que põe em prática uma lei fiscal mais benevolente e atractiva para investidores e empresários.
Burocracias internacionais e nações que exercem altas cargas fiscais sobre os cidadãos alegam que os paraísos fiscais são incentivos que privam os políticos de receitas valiosas para o Estado. Na verdade, acontece precisamente o inverso porque o imposto exercido revela tendência ascendente e é precisamente quando os indivíduos se sentem mais lesados pelo imposto sobre o seu trabalho que recorrem a uma jurisdição que garanta uma salvaguarda de poupanças e investimentos mais vantajosa. Logo, é pela imposição de tributação muito elevada que o Estado perde receitas pois ele mesmo incentiva à deslocação. É falso que os Estados subam impostos para compensar perdas em favor de paraísos fiscais, sacrificando uns devido a supostas aventuras de outros. Sobem impostos quando não têm um freio natural que os puna, sobem desincentivando os cidadãos a cumprir a lei e aspiram encerrá-los na total ausência de competição fiscal rumo à plena homogeneização.
Alegam também distorções no comércio mundial, de serviços e capital. As maiores distorções advêm jamais de uma saudável competição fiscal mas sim de uma alocação de recursos feita em função de interesses dominantes com capacidade de pressionar o poder político. Se os recursos estão aplicados em jurisdições com condições mais apelativas significa que mais recursos estão a ser aplicados em sectores produtivos em vez de serem arrasados nas mãos dos governos. Trata-se de uma escolha entre a eficiência, flexibilidade e prosperidade ou a burocracia, proteccionismo, assistencialismo e despesismo.
A competitividade internacional só é viabilizada, concedendo a autonomia aos indivíduos, não restringindo a competitividade fiscal inter-estadual e inter-municipal e evitando sempre penalizar a poupança. A poupança que é tantas vezes abalada por práticas comuns como a tributação dupla do mesmo fluxo de rendimentos, tanto quando falamos em dupla tributação interna (no caso das empresas, a tributação em sede de IRC dos resultados líquidos das empresas e a subsequente tributação desses resultados, em sede de IRS, quando os mesmos são distribuídos sob a forma de dividendos) ou dupla tributação internacional (taxação dupla de um mesmo fluxo de rendimentos em domicílios fiscais distintos). O proteccionismo fiscal é tão prejudicial como qualquer barreira alfandegária sobre bens e serviços. Deve ser combatido, acima de tudo, quando vem sobre a forma de proteccionismo global de tendências imperialistas como evidenciado pela OCDE. Se, porventura, algum de nós der por si a ouvir e concordar com o discurso que promete extinguir da face da terra os paraísos fiscais, lembremo-nos que isso representa compactuar com a mão de burocratas de países como a França, e a Alemanha estrangulando as jurisdições de exemplos raros como a Suíça, Singapura, Liechtenstein, Hong Kong ou Ilhas Caimão.
Publicado inicialmente no Movimento Libertário.
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