“Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência”. Esta frase insultuosa e opressora é o 1º Artigo da Declaração Universal dos Direitos do Animal, proclamada pela UNESCO em 1978. E insultuosa porque começa por ignorar hierarquia entre as espécies e é opressora porque legisla sobre aqueles que nem têm uma palavra a dizer. Quem defende “direitos do homem”, argumenta que estes emanam da sua racionalidade e livre escolha; logo aqui, fazer crer que os animais têm direitos é esvaziar os direitos do homem porque aos animais é impossível ter esse ponto de partida.Por arrastamento devíamos questionar porque é que ninguém defende deveres para os animais. Ou estamos numa brincadeira legislativa unilateral?
Quando alguns protectores dos direitos dos animais intimidam com recurso a analogias directas com as sensações e atributos humanos, sujeitam-se a um ridículo tal como o de eu afirmar: “Devia ser proibido beber leite de vaca; o senhor também gostava que eu fosse com um balde ou uma bombinha tirar leite à sua esposa para dar de beber aos meus cães?”
Fazem um corpo de direitos atribuídos com as excepções que o homem está disposto a aceitar com presunção legislativa que tudo abarca. Se o homem tiver consagrado o direito à vida, ninguém aceitará excepções como: “tem direito à vida, excepto se a carne dele puder saciar-me a fome numa ilha deserta ou se for morto de modo instantâneo e indolor”. Mas é isto que é feito na tal declaração e toda a argumentação é uma completa contradição porque, querendo decalcar toscamente os “direitos do homem”, depara-se com as forças da natureza que nenhuma ficção consegue persuadir.
O primeiro problema óbvio é a delimitação entre as espécies e a gravidade das violações dos supostos direitos dos animais. Já percebemos que isto fica ao critério de quem desenha os tais direitos e simplificam desde logo partindo do pressuposto de que todos os animais são iguais. Quem nega que um gato é mantido para passar o dia a roçar-se nos sofás e a aquecer os pés ao dono, enquanto um cavalo é criado como força de trabalho, de transporte ou treinado com finalidades desportivas?
Mas mais grave do que não reconhecer as diferenças intrínsecas entre as animais, é querer igualar todos os animais ao ser humano. E querem mais extremo ainda? Achar que o homem tem a obrigação de servir os animais. Em última instância, que será legítimo incriminar e punir alguém por violação de direitos dos animais. Se um peixe come peixes mais pequenos, se uma águia rasga e devora a presa sem piedade e se o homem tem a tradição de matar o porco, nada disto é crueldade mas são necessidades banais da natureza.
Há também o facto de aos animais não pode ser atribuída culpa ou inocência. Se um homem ficar frente ao ataque eminente de um urso e estiver na posse de uma arma, o melhor que faz é disparar. Vamos questionar se foi comprovadamente em legítima defesa? Claro que não. O urso nunca iria encher-se de compaixão ou acobardar-se, a menos que estivesse com pouca fome. O instinto, sua única bússola de acção, levá-lo-ia a fazer a escolha acertada de devorar um tenrinho naco de carne humana. Ninguém pode atribuir culpa a um urso porque este não tem livre-arbítrio, mas também ninguém pode incriminar um homem por beneficiar da sua superioridade diante das outras espécies. Todo o instinto de sobrevivência dita a constante batalha para ver quem primeiro corta a cabeça a quem: o homem à galinha, a cobra ao pardal ou o homem à cobra. Não acredito que um animal fique mais “ressentido” por ser morto para diversão do que para ser transformado numa travessa de entremeadas. Ainda assim, existem comportamentos cruéis que podemos censurar pessoalmente, contudo não podemos expandir a moralidade a seres amorais. Quem o faz, certamente viu demasiadas vezes as lágrimas do “Porquinho Babe”. Levar um coice, uma mordidela ou uma cornada são mais eficazes na defesa de maus-tratos do que uma sanção do governo e a intromissão em cada casota e em cada arena. Cada pessoa deve agir para punir ou apoiar na sua zona de influência os comportamentos que conhece.
Quando um animal quiser responder em tribunal podemos voltar a conversar. Por último, convém lembrar a importância da propriedade privada como melhor forma de usar e proteger os recursos com sabedoria. A propriedade privada é óptima para os animais porque ninguém cuida daquilo que não possui. A rotina de matar animais, seja para consumo ou para outras finalidades como a caça em geral, beneficia a espécie no seu todo pois assegura a sua continuidade. Pensem nisso na próxima vez que comerem canja de galinha. O número irrisório de pessoas que faz luta a este facto ridiculariza-se a si mesmo; algo hilariante seria imaginar o simples amor aos animais conseguir garantir o abastecimento de carne nos supermercados, em vez do interesse dos criadores de animais. E um bom exemplo dessa insustentabilidade sem o interesse do proprietário reflecte-se na criação de touros que são utilizados nos espectáculos tauromáquicos. A contrapor ao argumento da preservação da espécie, a única resposta dos preconizadores dos direitos dos animais é que se estes criadores “egoístas” fossem proibidos de usar os touros na arena, a extinção do animal nem faria assim tanta mossa no ecossistema. Parece bastante sensibilizador.
Mesmo assim, poderá não ser convincente a distinção que temos feito, por referência aos “direitos do homem” porque muitos consideram que não existem direitos universais atribuídos ao homem e que também estes serão uma ficção. Neste caso, a aversão à tentativa de universalizar e proteger os animais na referida declaração mantém-se, não por não se verificarem os atributos de racionalidade e livre-arbítrio, mas porque a condição dos animais dita as suas próprias regras num dado espaço, em determinada comunidade e aqueles direitos continuam a ser absurdos. Isto vai novamente ao encontro da protecção mais eficaz das espécies. Em cada comunidade, as complementaridades entre o homem e os animais ditaram uma própria hierarquia e as suas próprias convenções, seja pelas práticas religiosas, pelos animais enquanto factores de produção, hábitos alimentares ou espectáculos tradicionais. É neste ambiente local que a preservação das espécies revela os próprios equilíbrios internos, equilíbrios que a população entende e faz prevalecer e que nenhuma legislação geral jamais pode tocar sem ferir.
In taming, domesticating, and training animals man often displays appreciation for the creature’s psychological peculiarities; he appeals, as it were, to its soul. But even then the gulf that separates man from animal remains unbridgeable. An animal can never get anything else than satisfaction of its appetites for food and sex and adequate protection against injury resulting from environmental factors.
Ludwig von Mises, Human Action, p. 628