quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Bom Comportamento com a Dívida ao Pescoço


A triste figura a que o pé pesado do governo subjuga os portugueses quando os obriga a trabalhar “sol a sol” para pagar aos credores, recorda-me a cena clássica que sempre me perturbou no Natal. Aliás, não é no Natal, é durante o ano todo. Os pais têm, ou tinham, o hábito de sujeitar as crianças a uma fácil chantagem para domar maus comportamentos e outras inconveniências: “Porque é que tens de comer a sopa? Ora, para o Pai Natal ver! E respeitar a professora. E mudar a lâmpada da sala. E trazeres o jornal ao pai. E ficares calado à mesa e parares de dar opinião. Se não te portas bem o Pai Natal vê e não recebes prendinha.”

Gabo-me de nunca ter acreditado no Pai Natal (embora me tenham criticado por destruir a magia no Natal) e também não me apetece acreditar que a dívida seja para pagar. Não me impressiona que aqueles meninos mais mimados que capturam a autoridade e os rendimentos aos papás cedam um bocadinho na maturidade e tentem acreditar que o tal senhor existe. O que chateia é ver que até os miúdos espertos que, em certa hora, enfrentaram os pais – “deixa-te lá de histórias que eu sei que o Pai Natal é mentira e não preciso cá de prendas para me dares a volta”, – acabem por defender a disciplina de pulso de ferro quando o pai lhes diz: “Olha, o Pai Natal vai morrer… agora tens mesmo de te esforçar”.

Isto é o que acontece com muitos liberais que fazem frente à parasitagem e não querem compactuar com a quadrilha estatal mas depois não se importam de fazer a vénia ao monstro quando ele diz que é preciso pagar uma dívida – fisicamente impagável se quisermos continuar vivos. É literalmente trabalhar para aquecer; seria mais fácil o Pai Natal passar pela chaminé – ou até um camelo passar no buraco de uma agulha – do que Portugal pagar a dívida. Mas enquanto ninguém contrariar este discurso viciado que acorrenta a produtividade e a própria soberania nacional, os indivíduos vão continuar a agonizar para seguir a disciplina que é ditada do exterior. Alguns dirão que só no aperto é que muitos compreendem e aceitam a necessidade de implementar reformas. O meu pessimismo obriga-me a concordar. Contudo, parece-me que mais facilmente as pessoas aprendem do que os governos, pois estes facilmente dão a volta por onde mais agrada, conforme temos testemunhado.

Acreditar e apregoar as respostas que o governo e os meios de comunicação nos dão é de todo incoerente. A quem mantém a saudável desconfiança face às intenções dos governos, com perseverança até em tempo de vacas gordas, não fica bem lavar-se em lágrimas quando finalmente o próprio Estado rebola na lama e é punido por perder toda a credibilidade internacional. Deixem de fingir que os defaults não fazem parte da história; a essência mais imoral do Estado é que deve ir colher os frutos dos seus próprios vícios. Abomino endividamento mas não estarei na fila da frente a limpar a festa que os outros deixaram. Expliquem de uma vez por todas à criançada as vantagens de ser responsável e não os comprem com falsas prendas.

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