quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sonhar Acordado

Aquele acto semiconsciente de sonhar acordado ou de construir cenários antes de adormecer para entreter a mente pode revelar-se mais fastigante que o sonho que tem lugar a meio do sono, com a independência somada ao absurdo e perplexidade deixados no seu rasto, gradualmente apagado. Sonhar acordado implica intenção de complementar os factos palpáveis da nossa vida com os caprichos concebidos sem oposições ou riscos. Os sinais que os outros agentes nos dirigem funcionam como incentivos à ampliação de intenções a nossa favor e nessa projecção óptima fazemos crescer a confusão de que somos autores e reféns.
A fronteira entre a espectativa e a realidade é mais ou menos ténue, conforme os elementos (que manipulamos mentalmente para nos satisfazer o mais sincero querer), estejam mais próximos ou mais distantes de nós. Se incluímos no sonho algo que sempre nos foi alheio e sempre será, sonhamos por divertimento e os danos não são significativos porque nunca acreditámos seriamente na sua realização. Por outro lado, se incluímos elementos que são uma parte fundamental da nossa vida, tal qual ela é, e os cruzamos mentalmente a nosso bel-prazer, com iniciativa e vontade, interiorizando repetidamente, fazem parte da rotina e a concretização parece estar a um pequeno passo… o remorso e a desilusão serão arrasadores.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

The Smiths - This Night Has Opened My Eyes



You kicked and cried like a bullied child
A grown man of twenty-five
Oh, he said he'd cure your ills
But he didn't and he never will
Oh, save your life
Because you've only got one

terça-feira, 26 de julho de 2011

Acaso

As emoções tornam tão irrepetível tudo o que vivemos que, depois de vividos, todos os acontecimentos... «já eram». Isto é, por mais que os tentemos descrever, deixam de ser, exactamente, como os vivemos e, por isso, tornam-se... mentira. - Eduardo Sá

É um pouco vago e insatisfatório ouvirmos alguém responder-nos que o tempo traz o que tanto ansiamos. Dizem que "é preciso ter paciência porque o que tem de ser, será". É mais fácil entender a vida como um percurso que se acumula de êxitos conforme a habilidade das nossas escolhas e então somos donos do nosso destino. Somos de facto… mas os efeitos das nossas escolhas é que são incontroláveis e nunca saberemos o que desperdiçámos se tivéssemos optado por outras alternativas.


Só ganhamos respeito pela possibilidade de algo na vida não ser por acaso quando o mais improvável acaso nos preenche a vida com insondáveis dádivas. Descrever aquilo que vivemos implica um esforço que se mostra inútil tanto para nós, que tentamos remontar ao passado para compreender a real dimensão do que a nós se proporcionou, como para os outros que, provavelmente, não prestarão a atenção que o facto merece. Ter pensado como era aborrecido, não vinha nada a calhar, não era o que planeara, iria perder algum tempo que me era imprescindível, exigiria depois um esforço compensatório por tomar um caminho que não estava previsto, era uma irregularidade, um corpo estranho ali. Por cortesia ou obrigação, um pouco de não intencional cinismo, adaptação e uma simpatia perto da indiferença. Num esforço por atender a um imprevisto que não atrai à primeira impressão, ceder, acabou por ser a decisão. Muito fácil é virar as costas quando corpo e mente têm preguiça de fazer algo que não tinha sido programado e interiorizado mentalmente. Recordar a pouca vontade que esteve envolvida na decisão do passado que quase nos separou de uma mudança que nos deu tanto até ao presente deixa-nos numa meditação que não oferece resposta racional. Valorizam-se os mais insignificantes momentos quando, ao fim de algum tempo, notamos que estamos confortavelmente cercados com tudo o que esse momento no trouxe.

Há coisas que não exigem técnica e experiência, não há como calcular, prever, não se atinge por perícia; essas coisas acontecem no ambiente mais irreflectido e improvável. Não há forma de aprender a estar no sítio certo, à hora certa, simplesmente acertamos. E ao pensar agora na penúria que a vida seria, se despojada de tudo o que passámos a incluir desde aquele momento até então… fica um pesado silêncio de respeito perante o incontrovável que dá a reviravolta e apaga a memória do que estava antes, de tão insignicante e vazio que era. Pensar que poderíamos nunca ter correspondido à mudança de trajecto e aí, tudo… quase tudo, seria completamente diferente. É inconcebível e penoso demais para sequer pensar nisso. Ainda bem que estas coisas acontecem.

Desresponsabilizados e Indomáveis

A desresponsabilização individual tem as suas aparições diárias em toda a parte. Pensemos em alguns exemplos vulgares. Se a máquina do café na empresa avariou enquanto eu a usava, melhor fugir e não assumir a culpa. Se já tinha prestado atenção naquela fuga de água que andava a apodrecer os alicerces do prédio mas tolerei porque o senhorio me propôs um desconto para contar com a minha confiança e discrição. Se um projecto foi chumbado à conta da minha completa incompetência e desleixo mas, curiosamente, o avaliador não goza de grande empatia junto da maior parte das pessoas, posso maximizar a inimizade em torno dele para desfocalizar dos meus insucessos. Se tenho um eucaliptal que pouco, ou nada, significa para mim e do qual não extraio quaisquer benefícios mas, por acaso, foi consumido por um incêndio que deixei alastrar, não procurei travar para que os danos causados correspondessem a alguma futura compensação.


Bem…em todos estes casos compreende-se a ânsia pela fuga à responsabilidade, a tentação de não ser inteiramente honesto, o vislumbre de ganhos à custa de terceiros, a atribuição de culpas a um inimigo imaginário, despreocupação em relação ao esforço que os outros terão de mobilizar para pagar pelos nossos erros, a justificação à custa de agentes alheios à ocorrência, omissão de fracassos pessoais e a beatificação da falta de escrúpulos.

Surge então o contentamento em virtude daquele desenrasque forjado e o indivíduo em causa, o designado estúpido, congratula-se por conseguir fintar os outros e falsear a realidade. Esta espécie empenha-se também em assumir uma postura convicente no contexto da ocorrência e chega a convencer-se a ele próprio. Pode ser bastante doloroso observar esta mal disfarçada estupidez tão à descarada mas o cenário pode ficar ainda pior. Se estas atitudes são insuportáveis quando observadas num só indivídio, imaginemos agora isto multiplicado por muitos…centenas, milhares. Todo um agregado de gente puramente estúpida, fielmente desinteressada em compreender a orgânica dos problemas, especialistas da abstracção , num escape esturpecedor, por vezes patriota, extasiante das emoções que atropela a razão, a responsabilidade e qualquer código de conduta própria.

Este grupo de estúpidos vai actuar ao ritmo do plano intencional de desresponsabilização unida e coordenada pela propaganda que lhe apela à sensação de excepcionalidade e intocabilidade, ao patriotismo inabalável em posição de eterna vítima das forças externas. O ideal seria a agressividade desta imagem ficar reservada ao imaginário mas conviver com uma maioria normalizada segundo este padrão é um pesadelo sem aparente retrocesso à vista. Quanto mais estúpido é o indivíduo, mas entusista se revela por alguma massa falaciosa que lhe remata as lacunas mentais. Como se não bastasse a dor de ver o ser humano ser estúpido, que é uma coisa que desperta algum misto de sentimento nos poucos que não alinham na estupidez, a grande desvantagem disto tudo é ter de pagar a conta no fim da festa.