sábado, 6 de abril de 2013

Tomates e Sociedade Civil Vibrante

Quando aparece alguém a dizer que o nosso problema é a falta de uma “democracia madura”, associo a tomates. Aquele tomatinho maduro e mole, esborrachado sob o sol ardente nas planícies áridas do Ribatejo. Pisadinho e a gotejar com moscas e carreirinhos de formigas à volta. Eu pensava que já tínhamos uma democracia madura. 

quinta-feira, 28 de março de 2013

Contra-relógio

As mulheres vão detestar aquilo que vou dizer, apesar de ser altamente óbvio. 

Percebe-se que há algo de muito errado na maneira contemporânea de viver, quando contamos uma década  de fertilidade e prevemos que essa condição, em inactividade infrutífera, se prolongue por mais uma década - certamente absurda e com picos de frustração, sem explicação aparente - por força das obrigações e solicitações em redor. Há algo de muito distorcido nesta arquitectura de prioridades e numa certa supressão de instintos fundamentais. Estes becos sem saída, com expectativas e compromissos impostos à mulher, vão custar caro no futuro. Só as cobardes ou orgulhosas não admitirão o conflito que lhes impera no pensamento. 


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Infiel

A infidelidade é a causa de toda a destruição porque é o oposto do amor. O amor não é um bem-estar ambíguo nem uma satisfação intermitente. O amor é testado na partilha e não é calculista. O amor fortalece-se na entrega a quem amamos e não estabelece condições nem é travado por caprichos.

A infidelidade é a completa inversão do amor. É o “eu” exaltado ao extremo. É a habilidade para explorar os outros em benefício próprio sem a mais tímida compaixão. É adormecer e acordar sem memória nem pesar É a habilidade da coordenação de interesses, cinismos e falsos cavalheirismos sádicos. É uma ingratidão descarada que enjeita o coração de quem se deu todo e incondicionalmente. 

É a traição que procura uma aventura diferente dia-a-dia enquanto esfaqueia a esperança e o amor dado, condenando o outro ao encarceramento numa humilhação que consome a alma sem termo à vista. A infidelidade é a idolatria do indivíduo na sua podridão solitária em que mais tarde será corroído por não saber amar. 

É um golpe forte que custa a aliviar mas que pode elucidar-nos de forma indescritível e inesquecível do que sente Aquele que amou o mundo sem pedir nada em troca. Aquilo que Ele sente cada vez que é enjeitado por aqueles que O trocam pelas vulgaridades terrenas. Uma traição entre os homens pode ser a lição dolorosa que muitos precisamos receber para nos envergonharmos da miséria humana em que toda a gratidão e entrega são fracas perante tal misericórdia. Às vezes parece que andamos aqui a brincar. Ingratos.


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Micro

Na Europa de Leste actual, como na América Latina e na América do Norte, a chave para o crescimento dinâmico a partir do topo reside no sector da pequena empresa, e não nas grandes indústrias (necessariamente mais burocráticas); é aí que se cria mais empregos. E é aí também que se faz sentir uma lei da teologia cristã: é entre as coisas humildes, muitas vezes menosprezadas, que se encontra a maioria dos impulsos criativos. 

Michael Novak, "A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo", p. 90.


Idiotas Úteis: O Pequeno-Almoço do Leviatã


O que pode tornar a vivência mais insuportável do que acordar todos os dias com um interminável novelo estatal mais embaraçado, viciado e pesado? O que pode ser mais desmotivador do que ser despojado de quase todos os mecanismos de resistência civil a uma democracia tirânica e distante que todos os dias confirma os receios dos mais pessimistas? Ocorre-me somente uma outra coisa que tem-me incomodado, ultimamente, com maior persistência: o tom pejorativo de alguns bajuladores do pulso forte do poder ao referirem-se às ideias libertárias. Questiono-me se estas pessoas chegaram agora de Marte e estão alheias à realidade, se têm parte no "negócio" ou se são somente agentes demasiado moles perante as mudanças graduais e pouco perceptíveis que sempre anestesiaram a maioria da população, de forma tão conveniente, seja na base ou nas elites. Tentando ser menos drástica, é possível que os bajuladores queiram apenas chatear "o miúdo mais pequeno do recreio" para fins recreativos.

No entanto, enquanto os tempos agudizam a tensão em estados endividados e descredibilizados, divididos entre os seus dois desamores - o embate com a moribunda capacidade de aumentar receita fiscal e a inaptidão para contrariar os grupos que têm na sua dependência, sem enfurecer o bicho nem gerar solavancos – existem ainda estas pessoas que consideram que o inimigo prioritário a combater é, pasmem-se, um movimento corajoso de ideias que vai denunciando as raízes, incentivos e dimensão da corrupção natural do poder político. É por repararmos nesse decadente treino de lealdade absoluta, confinada no servilismo ao Estado, seus múltiplos organismos seculares e seus capangas, por nos indignarmos com tal capacidade de papaguearem as lições, explicações, ordens e justificações oficiais, que chega a dar um certo gozo ver como o jugo acresce também em cima destes pregadores da brandura, dos meios-termos e da subserviência ao Estado de Direito e trâmites legais que ele nos oferece tão gentilmente. Alguns indivíduos nem de pancada se fartam.

Mas à semelhança do Sol que nasce sobre maus e bons e da chuva que cai sobre justos e injustos, também as fresquinhas ordenanças do nosso governo rebentam igualmente na vida daqueles que não se importunam com elas, antes as bendizem; aqueles que acham razoável entregarem ao desbarato metade do ano de trabalho nas mãos do governo; os que condenam os compatriotas por levarem a riqueza própria para outras jurisdições mais favoráveis; os que preconizam um país que só se reproduz a toque de cheques e fraldas oferecidas por autarcas; as que correm as casas todas das vizinhas a explicar que é preciso pedir factura para não deixar escapar malandros; os que se mentalizam com convicção de que é mesmo imprescindível renovar a carta de condução de 10 em 10 anos e ainda repreendem os amigos rebeldes; os que nem têm habilidade para reclamar diante de um mau atendimento em serviços públicos; os que aceitam de bom grado que se transfiram funções para instâncias supranacionais; e os que continuam a acreditar que introduzir concorrência em domínios como o fornecimento de energia, educação, saúde, etc, é um golpe mortal na dignidade e sobrevivência humanas à face da Terra – conta-se até que a extinção dos dinossauros deveu-se precisamente à liberalização das telecomunicações. Portanto, as novas ordenanças cobrem todos estes e outros imbecis.

Como disse Nicolás Gómez de Ávila, nos seus Aforismos, "o estado moderno fabrica as opiniões que recolhe depois respeitosamente com o nome de opinião pública". Só os idiotas úteis incapazes de avistarem horizontes temporais do passado mais ambiciosos do que a última refeição ou última ida ao supermercado, se orgulham de passear por aí com a elegância dos slogans asseados e obediência, maquinados pelos seus líderes contemporâneos.

Só os mais atentos percebem os perigos de uma progressiva totalitarização da sociedade. Quem já levou crianças à praia, até ao final da tarde, pode perceber como isto funciona. O efeito das ondas é semelhante aos sucessivos declínios e ascensões de poderes tirânicos. Pela manhã, ficamos entusiasmados com o amplo espaço livre. Depois da hora de almoço, caímos na moleza da digestão, da sesta e do sol tórrido e, ao cair da tarde, lá vamos recordando que é sensato ir levantando as coisas. E nisto, as crianças são as ingénuas teimosas que nos empurram para mais um mergulho porque nada se passa. Quando somos vencidos pela imprudência e olhamos para a areia, lá se foi a tralha, consumida pela ilusória timidez da maré a encher ao de leve. A expansão do poder do Estado reconhece-se da mesma forma: ou numa permanente atenção que tem consciência das experiências do passado ou, menos preventivamente, quando ficamos muito tempo sem olhar para o nosso objecto. O que trama as pessoas que negligenciam as cautelas diante do poder político é não poderem visitar a actualidade económica, fiscal, social, depois de transitarem de um período de 50, 100 ou 200 anos numa máquina do tempo. Nada que força de vontade e umas aulas de história não colmatassem.

Olhando em redor, por toda a parte encontramos passividade. Uma passividade que pode encontrar explicação na condição de anonimato em que nós, uns mais e outros menos, fomos confinados, depois de minados os compromissos, a vasta panóplia de lealdades próximas e, em geral, as unidades sociais com conteúdo e poder de resistência e cumplicidade contra a estatização da essência humana. Testemunhamos a passividade com que se aceita a aleatoriedade de novas regras administrativas, novos impostos e regulamentos que afectam o consumo e a relação entre consumidores e fornecedores, a vigilância e perseguição aos modos de vida e condição física dos cidadãos. Vamos começar por onde? Deixar o carro na garagem e andar a pé? Privarmo-nos de produtos com o IVA mais alto? Querem mesmo alterar rotinas pessoais por força das orientações governativas e para se sentirem bem com vós mesmos? Não há escape com pompa que valha a pena o esforço porque estamos sozinhos perante a discricionariedade do Leviatã, esse raptor que desforra até ao último pulsar de dignidade. A passividade descamba em fragilidade, de pernas e mãos atadas. O propósito nunca foi outro. E esta, hã? As políticas liberais vão matar-nos? Por ausência delas... calculo.

Publicado no Estado Sentido 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Resoluções do Ano 2013



"De boas intenções está o inferno cheio" e é bem verdade. Entre as pessoas que já conheci, as mais desorganizadas, inconsequentes e descontroladas eram precisamente aquelas que mais se mobilizavam na típica histeria das resoluções de Ano Novo. Como se não bastasse o entusiasmo ritualístico dos vários "vou ser bonzinho e pedir perdão a toda a gente", "começarei a fazer desporto e perderei 10 kg em Janeiro", "pouparei metade do ordenado a cada mês", "vou deixar de criticar o meu patrão", nos entretantos ainda nos dizem, com ar repreensivo de mestre "então, e tu não tens nada a corrigir, seu passivo?". Conhecendo o historial pouco exemplar dessas pessoas, conseguimos controlar a fúria ao recordar que são casos de "muita parra e pouca uva".

Recordo-me sempre que costumo lucrar ao preferir não elevar muito as expectativas, reservar-me a um pessimismo que me garante ser, de vez em quando, agradavelmente surpreendida, e aceitar as falhas como inerentemente humanas e passíveis de moderar com ajuda dos conselhos da experiência acumulada – a minha e a dos outros. Pelo contrário, aquela atitude de procurar escapar aos vícios numa perpétua tentativa de redenção rotativa e de novos começos, esbarra com a realidade.

Assemelha-se muito à gestão de expectativas e de tomadas de decisão da nossa democracia. Tal como não acreditamos que aquela nossa colega de trabalho consiga ter a língua menos afiada nas primeiras horas de trabalho de Janeiro, nem que o nosso colega dos petiscos reduza o peso até ao Verão, da mesma forma é ingénuo depositar demasiada esperança na dieta do Estado e na escolha das suas melhores companhias. Não é defeito, é feitio. Depois a privatização de um canal público de televisão é tão manhosa da mesma maneira que o nosso colega de turma nos torna a entregar a sua parte do trabalho, fora de horas e com as aldrabices habituais. É a via dos resultados imediatos, do facilitismo tolerado porque tornado padrão, do culto da burla e do chico-espertismo. Na mesma linha, também ninguém mete a mão na massa quanto à queda anunciada da segurança social, nem numa reforma séria do ensino superior, à semelhança daquele nosso vizinho que continua a chegar atrasado ao emprego por coordenar mal os filhos na rotina matinal e por se acanhar de os despertar mais cedo. Depois a alienação silenciosa do sector produtivo e da soberania nacional é embalada ao som de um jornalismo descuidado, capturado e pervertido, à semelhança da esposa que continua a desleixar-se, andando em casa com os rolos no cabelo, enquanto o marido pisca o olho à mulher alheia. Por fim, temos a banalização dos resgates financeiros. Os resgates deixam de ser encarados como humilhação e passam a assumir tom de exigência e reclamação em nome da solidariedade, tal como aquele nosso familiar perdulário que emaranha-se em dívidas para viajar, porque sempre foi assim e sempre encontraram uma solução...a vida são dois dias.

O típico indivíduo desovado na era da estatização total da acção humana, pouco habituado a prestar contas, a enfrentar as consequências da perda de prestígio decorrentes de más decisões e comportamentos inconvenientes, avesso a reconhecer os infortúnios da natureza, as aptidões e sortes desiguais, socialmente desenraizado e economicamente desresponsabilizado, é a criatura que adere, tanto aos objectivos bacocos subitamente inspirados pela passagem de ano, como às promessas eleitoralistas dos sucessivos desgovernos; ambas, infantilidades irrealistas e soluções miraculosas que nunca passam do papel.

Ninguém melhor que Ortega y Gasset para expressar-nos bem esta ideia:

«Un ventarrón de farsa general y omnímoda sopla sobre el terruño europeo. Casi todas las posiciones que se toman y ostentan son internamente falsas. Los únicos esfuerzos que se hacen van dirigidos a huir del propio destino, a cegarse ante su evidencia y su llamada profunda, a evitar cada cual el careo con ese que tiene que ser. Se vive humorísticamente, y tanto más cuanto más tragicota sea la máscara adoptada. Hay humorismo dondequiera que se vive de actitudes revocables en que la persona no se hinca entera y sin reservas. El hombre-masa no afirma el pie sobre la firmeza inconmovible de su sino; antes bien, vegeta suspendido ficticiamente en el espacio.» La rebelión de las masas

(Em inglês, é capaz de dar-vos jeito «A hurricane of farsicality, everywhere and in every form, is at present raging over the lands of Europe. Almost all the positions taken up and proclaimed are false ones. The only efforts that are being made are to escape from our real destiny, to blind ourselves to its evidence, to be deaf to its deep appeal, to avoid facing up to what has to be. We are living in comic fashion, all the more comic the more apparently tragic is the mask adopted. The comic exists wherever life has no basis of inevitableness on which a stand is taken without reserves. The mass-man will not plant his foot on the immovably firm ground of his destiny, he prefers a fictitious existence suspended in air.»The Revolt of Masses)

Uma sociedade não pode nortear-se por "resoluções de ano novo". Nesta viragem para o ano 2013, seria conveniente olhar mais para o passado e inventar menos acerca do futuro. Menos ao arrepio da realidade e mais conscientes dos vícios que vão sempre retornar se não tivermos por referência a falibilidade do comportamento humano e a natural conspurcação da democracia centralista. Será desejável desconstruir menos as bases em que a nossa história está sustentada, parar de seguir a lógica cíclica e infantilizante das mudanças, correcções e congratulações rápidas e dar mais primazia à continuidade do que às rupturas. Se a pista de corrida é curta demais, o nosso maquinão nunca chegará a atingir velocidades dignas que se vejam.

Publicado no blog Estado Sentido.