sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Esticar a corda


Agora há por aí uma tendência para sustentar qualquer opinião, com base do maniqueísmo entre lado protestante e lado católico. Em prejuízo do primeiro que é coisa que até me agrada. Mas quando repetido até à exaustão, com certo oportunismo e por “dá cá aquela palha”, começa a dar tédio e a perder seriedade e impacto. Eu não gosto de favas, ora portanto, devo concluir que as favas revelam um amargo muito protestante e o meu rico chocolate é claramente católico. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Solidariedade Planetária

Tive uma visão do paraíso na terra. Um exército planetário, pois só assim evitaremos facções e crispações em defesa de interesses rivais. Para além de mantermos a paz intacta, reuniremos poderio bélico capaz de fazer frente a qualquer marciano que nos ameace. Este exército permanente será financiado, naturalmente, pela boa vontade e impostos de todos os homens da Terra. Os mesmos impostos que servirão para nivelar a riqueza dos territórios, tão assimétrica e injustamente dotados pelo Criador. Contribuintes da Noruega a pagarem maquinaria agrícola para o Gabão; empreendimento de obras, no Alentejo, à conta de impostos cobrados no Texas. Só assim o egoísmo dos povos será abolido e atingiremos a plenitude da solidariedade. 

Penso que isto foi um toque inspirado pela opinião da Ana Gomes. Dizia ela, ontem à noite, que os europeus são “mesquinhos” porque não têm a visão do benefício para “um todo” e não são solidários. Entristece de facto (esta senhora deve ser a maior lá do bairro; solidária como só ela sabe.) Às vezes surpreendo-me com estas visões, apocalípticas mas lindas; depois lamento que não apareça ninguém, com regularidade, a convencer as pessoas que isto só vai lá com um orçamento único, bem atilado por gente genial que não se misture com o povo grunho que está cá em baixo a trabalhar, sentir, preferir e escolher coisas. Não costuma aparecer ninguém, pois não? Huum. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Lynyrd Skynyrd - That aint my America


It's to the women and men in their hands they hold a bible and a gun
And they aint afraid of nothing when they're holding either one, oh uhh
Now theres kids that cant pray in school, hundred dollar tanks of gas,
I can tell you right now this country aint, aint supposed to be like that

No, that aint my America, that aint this country's roots
You want to slam ol Uncle Sam but I aint lettin you
Yeah I'm mad as hell and you know I still, bleed red white and blue
That aint us, that aint my, that aint my America, oh no, That Aint My America


Ontem, até entornavas o champagne


Foram só 11,71%. Certo. Até podiam ter sido apenas 8% ou 5%. Qualquer saudável pessimista sabe que o partido seria sempre tímido no peso decisório; e depois lá surgem os fatais arranjinhos de coligação que dão sabor amargo a qualquer eleitor que ainda guarda sinceridade na intenção de voto. A democracia, suja como é, não traz grandes novidades - apesar de alguns resquícios de fé renovada que lá aparecem de tempos a tempos – mas a benevolência de alguns militantes, o culto do chefão de partido e a luta contra a realidade por recurso ao simples engrandecimento face ao outro (que é pior do que nós e isso dá um jeitão), revelam bem o lado mais sinistro do clubismo partidário português. 

Se não queriam humilhar o nome que vos marca a fachada, os princípios em que se alicerçam, os célebres discursos do passado, a confiança dos simpatizantes que reuniram pelo país sempre que os cidadãos sentiam mais um golpe fiscal a apertar…Se já estavam fartos de saber que só vos queriam na coligação para juntar o número de carneiros necessários para sentar e levantar, então nunca aceitavam! Era preferível fazer pressão por fora do que alinhar com chantagens de suposta estabilidade, fazendo figura de ursos. Ter preferência por deitar borda fora tudo o que venderam a quem vos deu votos, optar pela traição completa para ajudar a enterrar o país, fazer este “belo” serviço? Desculpabilizam-se porque não conseguem ser mais do que lacaios do PSD, dado que foram só 11,71%. Bem, quando entraram no "monstro" já sabiam. Não merecem qualquer consideração, nem perdão. Não peçam moderação nas críticas que vos são dirigidas.


domingo, 18 de novembro de 2012

"A modernidade vai no sentido errado" - João Gabriel

Isto é deveras preocupante.
João Gabriel, (9 anos).
Análise Comparativa de Escola Primária herdada do Estado Novo e Escola Primária inaugurada em 2011:
“Não gosto da escola nova porque está muito longe de casa, o escorrega é pequeno, o campo de futebol é muito rijo, os mosaicos estão totalmente mal colocados, tem más instalações perante a chuva, o corredor único junta o barulho de todos, tem cores enjoativas na cantina, janelas mal pensadas porque as senhoras precisam de uma vara para abri-las, as pedras que enfeitam o telhado precisam de manutenção quando a chuva ou o vento são fortes, o polivalente é pequeno e eu preferia ir ao Palácio dos Desportos de Torres Novas, a escola tem fácil acesso para assaltantes, há fortes correntes de ar no recreio porque a construção está mal desenvolvida, as grelhas da vedação são feias e existe um muro de três metros que coloca as crianças em perigo porque algumas saltam à pressa quando toca a campainha.
Gostava da escola antiga porque a sala era bem organizada, os cabides e arrumação eram perfeitos, o recreio era enorme e divertido, o escorrega era funcional, estávamos livres de correntes de ar, tínhamos árvores de fruto e plátanos grandes, a vedação era bonita, o chão estava bem nivelado e resistente, as janelas eram práticas, os bancos eram confortáveis, as cores eram agradáveis e a temperatura, no Verão ou Inverno, era sempre amena.”

sábado, 17 de novembro de 2012

Militância em Foco


Certamente implica inúmeros custos, decepções, cabeçadas, críticas pessoais e, sobretudo, deve ser sempre acautelado por cepticismo e firmeza nos valores pessoais. 

Mas se existem vantagens a ponderar na decisão pessoal de arriscar a militância num partido político a nível local, elas passam por: possibilidade de sentir, sem rodeios, tensões internas em vez de silêncios de ocasião, como acontece a nível nacional; regressar regularmente ao nosso “ninho natal” e esquecer algumas abstracções que tão confortáveis são no nosso dia-a-dia profissional; sentir alguma vergonha pelos nossos momentos de crítica fácil quando, finalmente, paramos para ouvir o testemunho vincado de autarcas que sempre se debateram por contrariar os embaraços de Lisboa e priorizar o bem da comunidade; observar vontade genuína de encontrar formas alternativas de financiamento e de promoção do bem-estar; sentir cumplicidade entre os nossos conterrâneos quando concordamos na necessidade de um policiamento de proximidade porque nos desleixámos em cima das pedras que os nossos antepassados se bateram por pacificar; despertar para atentados feitos à população, tais como, mapas judiciais que desmembram o contacto do povo com a Justiça e manipulação burocrática que desmotiva as capacidades produtivas da agricultura e da indústria; entender, em dimensões palpáveis, a factura que os sucessivos governos nos legaram, naquilo que é nosso; e apreciar que as ideias e sugestões concretas, muitas vezes, suplantam pacotes ideológicos. 

Apesar de ser um problema, como alguém dizia hoje, “um autarca poder trocar tigelas de sopa por votos”, acrescento eu: ainda é mais perigoso um poder central organizar matanças do porco e churrascadas para todos. 

Cada um desempenha o seu papel onde se sente confortável; se as expectativas esbarrarem com a realidade, podemos dar-nos ao luxo de tirar daí um ensinamento, por conta própria, que ninguém nos contou.

Foi a Traição que Te Encheu


Outra culpa não tem quem ama o que é seu;
Culpa de trazer, com amor, o gemer da Pátria às costas.
Conta-lhes, diz aos teus que não foste tu,
Diz quantos o fizeram antes e refizeram sem pudor.
Maldição repetida por este, pelo que vem e pelo antecessor,
Tormento habituado sem redentor.

Esmorece-te mas não abras a porta à humilhação;                                                                                        
Que alento feliz é esse que à tua expressão dá sustento
E que força é essa que diante da ofensiva, contempla a paz da Lezíria?
Porventura enjeitaste o hábito, o adaptar dos ventos,
O caiar da casa e a reconquista dos aldeamentos?

A chaga que te expõe mas não esqueceu
E a lembrança que trazes no rosto,
Oh, semelhante semblante na calma de Agosto,
Não é esta a persistência de quem tanto padeceu?

Braços erguidos em afronta à traição
Não chegam para agonizar os vendidos que tanto enriqueceste
Nem que se abra agora o chão e engula os traidores,
Desleais de tanta respiração e suor agreste
Portadores de tantas perfuradas dores.

Que morte lenta concede ir à algibeira
Do amor que proteges à tua beira?
Doce descanso esse em que dormes a meio da invasão
Compras e vendes pisando o sangue na ladeira
Nasces a abraçar a armadilha da rendição.

Não te deixes embalar como quem é expulso;
A ruína das pontes que pisas, num pisar derradeiro de agonia e ingratidão,
Geme o passado límpido de quem te deu o pulso
E esse génio de uso que o estrangeiro usurpa porque vê que estás cheio.
Não lhes confesses o anseio, não reveles a memória amada,
Cuida do teu celeiro como da honra estilhaçada,
Guarda-o, esconde-o do alheio e confia que estás cheio,
De confiança, de centeio.
Bem sei, coração fraterno, que estás cheio.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O que o tempo ensina

Se a vontade dos governos fosse feita para vergar com facilidade, não teriam sido enviadas pragas, por terra e mar. Para despertar a humildade e quebrar alguma altivez de certezas perante os aparentes grandes feitos humanos, impõe-se,  por vezes, a necessidade de sacrificar uma geração de primogénitos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

Inimitável

Não sei como deixei passar, mas ainda venho a tempo. O comentário de Pedro Mexia, na Lei Seca, ao soberbo concerto de Leonard Cohen, com o fascínio e reverência com que poucos o conseguiriam descrever. Eu reduzo-me a ficar imóvel na cadeira enquanto a voz do bom velho faz o tempo parar na entoação de sabedoria inabalável e polida humildade.

Quatro concertos em cinco anos, Cohen compensou-nos, e bem, da longa ausência dos palcos e do mundo, quase diríamos «bendito desfalque», aquele que o fez ter de andar de novo em digressão, vir até nós. Dos concertos portugueses, um foi excepcional (o de Algés: comunicativo, desapontado, divertido), mas nenhum foi mau, não é possível, com aquele catálogo, com aquela presença.

De fato escuro («a lazy bastard living in a suit») e chapéu, magro, envelhecido, impecável, Cohen é sóbrio, educadíssimo, afável, apresenta e elogia demoradamente os músicos, trata-nos por «friends», fecha os olhos, dobra-se, ajoelha-se, saltita, curva-se, agradece-nos, abençoa-nos. É romântico, lascivo, místico, cáustico, um charmeur de cinismo brando, agora pacificado, e de crenças antigas, de ideias velhas, actuais. Aos 78 anos, deu-nos três horas e meia de espectáculo, que ouvimos com reverência, festa, emoção, e há muito que Cohen tem direitos a coros femininos e a solos virtuosos, ganhou o direito de fazer o que quiser com a sua música e com a sua poesia. 

Desta vez, tocou canções de todos os álbuns que contam: «Suzanne» (um hino improvável), «Sisters of Mercy» (a mais casta das canções impúdicas), «So Long, Marianne» (a mais feliz das despedidas tristes), «Hey, That’s No Way to Say Goodbye» (e eu bem sei); «Bird on the Wire» (a simplicidade total), «The Partisan» (numa calorosa interpretação, a política abstractizada, comunitária, instintiva); «Famous Blue Raincoat» (a mais adulta, mais terrível, canção de amor de mão em mão); «I Tried to Leave You» (bom tema para encores e sarcasmos), «Who by Fire» (o mais polissémico verso de Cohen: «And who shall I say is calling?»): «The Guests» e «The Gipsy Wife» (canções «étnicas», etnomusicais); «Dance Me to the End of Love» (passe a redundância), «Coming Back to You» (Cohen deu voz às «sublime Webb Sisters», e de facto são), «Hallelujah» (e o Atlântico tornou-se bíblico); «First We Take Manhattan» («e depois Berlim», cantaram as massas), «Everybody Knows» (as males pessoais e os males do mundo, isto anda tudo ligado), «I’m Your Man» (masculinidade para homens inteligentes), «Take This Waltz» (Lorca vive), «Tower of Song» (Cohen pensionista da canção); «The Future», (um tratado de conservadorismo apocalíptico), «Waiting for the Miracle» (com a sardónica: «The Maestro says it’s Mozart / but it sound like bubblegum»), «Closing Time» (ideal para um falso final de concerto), «Anthem» (talvez o melhor verso de Cohen: «There is a crack in everything / That’s how the light gets in»), «Democracy» (whitmaniana, paradoxal); «In My Secret Life» (quem é que não tem uma?), «Alexandra Leaving» (com a possante Sharon Robinson). E do novo álbum, que ainda não ouvi suficientes vezes, «Going Home», «Amen», «Darkness», «Come Healing» (os títulos dizem tudo, é quase uma despedida).

Embora tenha falado pouco, Leonard Cohen disse-nos: «Espero encontrar-vos mais vezes no futuro». Ainda que não volte, fica prometido.