domingo, 26 de agosto de 2012

Caça ao Piropo



Era uma vez uma menina que só saía à rua na companhia do Estado. Estamos prestes a assistir a mais uma modalidade de legislação e punição assente na retórica de vitimização feminina. Desta vez o exemplo parte da Bélgica e vem no seguimento de um pequeno documentário [1] realizado por uma estudante belga, nas ruas de Bruxelas. No vídeo que está a lançar debate e alarmismo, Sofia Peeters testemunha como as mulheres são abordadas com muita frequência naquilo que as queixosas denominam “ataque sexista”.
Sendo uma realidade que incomoda muitas mulheres, parece uma iniciativa interessante e pertinente. Mas como seria de esperar, o documentário converteu-se rapidamente num apelo político. A autarquia aprovou que a partir de Setembro, quem lançar “piropos” fica sujeito a multas que podem ir até 250€ [2].
Ao que parece as mulheres emancipadas estão dispostas a abdicar de formas típicas de protecção e reacção às peripécias sociais mais constrangedoras mas só se o Estado vier com elas. Se fosse o pai, irmão, namorado, marido ou amigo do sexo masculino a lançarem-se em sua defesa, isso jamais! Seria uma afronta à igualdade de géneros. A realidade acaba por provar às mulheres que há humilhações maiores a que não sabem resistir sozinhas – quiçá uma injecção de testosterona pudesse ajudá-las a dar uma sova aos tais malandros.
Pela boa receptividade da opinião pública a este tipo de medidas e tendo em conta a orientação dos políticos em busca de popularidade, isto promete ser um antecedente muito “inspirador” para outros governos copiarem. Porque os governos – e aqui as mulheres – têm aversão ao comportamento rebelde e imprevisível dos seres humanos de carne e osso. O tempo será testemunha desta ânsia de controlar.
Não querendo subestimar o fenómeno em Bruxelas (que parece destacar-se pela especial incidência destes comportamentos), não sejamos ingénuos quanto às intenções; um exemplo extremo é o ingrediente muito pertinente que funciona como rampa de lançamento para a perseguição à liberdade de expressão. Multiplicam-se as punições para tudo e mais alguma coisa e as supostas vítimas ficam com margem para queixas e até para uso abusivo da lei – até vinganças pessoais. Mas afinal, como se define um “piropo”? Quais os limites para aplicar as várias sanções? Vai-se pela agradabilidade do galanteio?


Um das particularidades que também fica evidente no documentário – mas que a estudante depressa procura desmistificar para não ofender susceptibilidades – é que a grande maioria dos homens que actua de forma mais intimidatória e insinuante é de origem marroquina e outras comunidades imigrantes na zona. [3]
Estarão estas moças a atacar o inimigo errado? Se estão sempre prontas a denunciar “sexismo” e a manchar o prestígio aos homens, porque evitam tanto referir minorias étnicas se essas as incomodam com mais frequência? É mais um daqueles paradoxos do marxismo cultural que arremessa legislação em favor daqueles que define como “vítimas” e contra os que define como “opressores”, graças a muita acrobacia argumentativa.
Elas até confessam que iam tomando providências na forma de vestir, nos percursos escolhidos, etc…Mas a interacção social, cedências e cautelas que sempre fizeram parte da convivência continuam a incomodá-las porque não podem parar a realidade e deixar tudo constante.
Por fim, percebemos que o costume milenar do piropo pode estar em declínio. Prevemos que esta seja mais uma intervenção estatal a produzir as distorções de mercado do costume, pois vão ser perdidos muitos “piropos” à excelência e os que existirem tenderão a ser mais indiferenciados, falseando a percepção das qualidades.

1 http://www.youtube.com/watch?v=ESdZDwcA5iM&feature=player_embedded
2 http://www.euronews.com/2012/08/24/belgium-responds-to-sexual-harrassment-film/
3 http://www.guardian.co.uk/world/2012/aug/03/belgium-film-street-harassment-sofie-peeters
Publicado no Movimento Libertário

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

defesa dos animais dos outros



Ai, olhem para mim a censurar atrrrrocidades tauromáquicas das gentes provincianas. Deixo o fofo Nemo 10 anos às voltas num aquário de 30cm de diâmetro, enquanto levo o béu-béu  a dejectar a calçada aos meus vizinhos.  O bichano fica com a tripa apertada 12 horas (e não suja a carpete) dentro do meu apartamento lisboeta “avant-garde”  mas calha bem levá-lo a aliviar-se de vez em quando, quando faço o meu jogging matinal. 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

E se nacionalizássemos as discotecas?


Em vez de seguranças corpulentos em todos os cantos, teríamos uma polícia pública mais amigável, com a devida percentagem de agentes do sexo feminino como bem manda a moda progressista das quotas. Afinal, quem quer contar com uma força bruta e intransigente, em cima do acontecimento, sempre pronta a socorrer-nos? Estamos todos prontos a trocar essa hostilidade por uma força policial de acção sensibilizadora, de preferência desarmada, que compreenda os traumas e motivos dos agressores. Certo?

Poderiam existir multas nesses espaços com o objectivo de moderar o consumo de bebidas alcoólicas e minimizar comportamentos de risco. Além de instruir os indivíduos, seria uma promissora fonte de receita pública.

A música passaria a ser seleccionada por uma entidade especializada que promoveria a diversidade de ritmos e estilos de forma aleatória, mas rigorosamente repartida, com espaço para jazz, kizomba, reggae, clássica e por aí adiante…Quem quer escolher uma discoteca em função do estilo de música ou das companhias que o frequentam, quando pode ter o próprio Estado a “girar do disco” e a acabar com esse flagelo que é a discriminação e rejeição de pessoas à porta do estabelecimento? Assim, deixava também de haver preocupação permanente com a aparência, reputação e com aquilo que a conduta poderia indiciar porque já ninguém precisaria de defender-se sozinho nem conquistar confiança. Não era agradável?

Não existiria cartão de consumo obrigatório com os acertos finais consoante o consumo individual. Em lugar disso, seriam feitas estimativas para dividir a despesa de todos os clientes da noite em contas mais justas, com uma progressividade em função dos rendimentos. Isto, sem contar ainda com a percentagem incluída na factura da electricidade de todos os cidadãos, para suportar o digno investimento cultural.

Já conhecemos a técnica de esconder dinheiro de reserva em sítios estratégicos como o interior do sapato. Que cautela mais arcaica e poupadinha face ao risco! Não seria melhor contar com indemnizações do estabelecimento cada vez que a descontracção abrisse oportunidade a um assalto ou perda?

Se repararmos nos critérios que orientam as nossas escolhas numa simples saída à noite, talvez fique evidente que afinal tendemos a privilegiar espaços privados de entrada controlada, com preferências homogéneas, onde cada um tem atenção redobrada ao seu corpo e bens, valoriza a segurança inflexível, desperta reacções instintivas face ao perigo, acciona o radar de preconceitos em terreno desconhecido, desespera quando não encontra um rosto familiar e segue os hábitos que lhe dão conforto. Com dinheiro para ir e regressar vivo a casa, sem esperar o milagre de um táxi grátis pelo caminho.

Publicado inicialmente no Movimento Libertário.

Satisfação

Entro na biblioteca municipal em pleno mês de Agosto. Vejo só umas três pessoas sentadas aqui e ali. Consigo ouvir os grilos.
Vou pesquisar o livro, anoto a cota de identificação e dirijo-me à estante. Não está lá e penso "ups...já houve alguma Amélia que tirou o livro do sítio. Sacanas." O funcionário está sentado na secretária da entrada a ler uma revista e lá vou eu:
- Bom dia. Olhe...eu estava ali a pesquisar este livro mas não o encontro.
- (Olhar contrariado e intimidatório)...Não está??...ppppffffff
- Pois...(ai que estou a incomodar) alguém deve ter trocado o sítio...digo eu (encolhida).
O homem dirige-se à estante sem dirigir a palavra, lá encontra o livro na estante do lado - "aqui está!" - e atira-me o livro para a mão.
- Isso é para registar na recepção!!!

Ui, mas quem é te paga o ordenado, oh camelo?! Estou um pouco confusa agora.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Lido numa caixa de comentários...


"Já agora, os fetos deviam ter direito a escolher os pais para não lhes calhar um burgesso qualquer na rifa."

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Falta de moderação. Ou apenas a tendência de cortar os pulsos

Não é de admirar que uma artista do calibre dessa tal Adele vingue tão bem nos nossos tempos. É o protótipo da mulher moderna, orgulhosa do permanente desequilíbrio mental e da falsa independência. Condensa os vícios daquele tipo de perdedor que humilha o inimigo ao desbarato para se compensar a si mesmo. Usa-se das suas particularidades físicas para promover uma imagem de vítima que tem a vingança na própria gula, no frigorífico e no ódio aos bem-sucedidos e saudáveis. Concebe as pessoas e as relações como descartáveis. Envergonha-se das suas fragilidades e esconde-as com uma emancipação agressiva. Deleita-se em incendiar a casa ao homem. Enfim. E acho que também usa unhas de gel. 

domingo, 19 de agosto de 2012

A Gaivota



Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu,
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro,
Esse olhar que era só teu,
Amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Para nunca deixar a desejar...

Há uma espécie de falso simpatizante que fica à margem para não se sujar. Apoia para não ofender e mantém distância para não ser confundido. 

Dos seus próximos, aprecia somente os nascimentos e as mortes. Gosta de baptizados e dos funerais, das inaugurações e das despedidas. Apoia todas as intenções de mudança e as histerias de transições sem tomar conhecimento dos entretantos. Nunca contamos com a colaboração e força de braços dele mas eis que aparece em todas as efemérides, localizado onde não seja visto em caso de fracasso ou irrelevância mas em que seja identificado quando existam retrospectivas a remexer em acontecimentos significativos. 

Acompanha com atenção os êxitos, comemora datas esvaziadas e impessoais, felicita estreias de projectos, oferece prendas de casamento e dá umas palmadas nas costas, assobiando para o ar, enquanto os outros varrem os vestígios da farra. 

Esta espécie vive a desejar que os inícios augurem algo de bom nunca antes de visto, e que os finais limpem da lembrança os passados imperfeitos e tragam descanso de meia dúzia de compromissos. Quem vive assim é infalível e a palavra “ceder” não consta no seu dicionário. 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A lenta e estranha queda do Império da Patagónia

“Um dia, no Império da Patagónia, o avô Constantino comentava com os seus doze filhos ao serão: há 40 anos só nos aguentámos graças a eles…para além de nos protegerem lá dentro durante alguns meses de incursões violentas, os Justinos conseguiram salvar 500 volumes do incêndio, de um total de 1200 que foram copiados com tanta dedicação ao longo de 150 anos. Alguns dos originais que eles copiavam já tinham mais de um milénio e eram quase ilegíveis. Valendo-nos isso, ainda conseguimos reerguer tudo no território circundante. Não foi a primeira vez nem será a última, longe esteja o agouro! Conseguimos concertar os moinhos, refazer o sistema hídrico, os fornos, a mina e voltar a cultivar os cereais na hora e dose certa com os truques que só estes livros sabiam. Claro que algumas pessoas mais velhas também sabiam mas nem todos ficaram para contar a história. Tivemos perdas mas elas teriam sido maiores sem as técnicas que usámos para os pôr a mexer daqui para fora! Em meio de tanta confusão e violência pouco calculada, ninguém se teria lembrado daqueles pormenores valiosos.” – e dizendo isto, Carlos impressionara os filhos com o relato guardado de um dos seus antepassados que vivera tempos de maior escassez e os usuais, mas duros, desafios militares. Carlos sabia que aquilo que os mantinha inseparáveis e resistentes era tão indescritível como merecedor de respeito. Uma sabedoria que esmagaria a petulância do mais insignificante e insano exemplar de uma simples geração; porque a própria geração é insignificante e simples. E confunde-se ainda mais quando despreza a experiência e abraça retrocesso.


Passado cerca de século e meio, um bisneto de Carlos aplicara o que ouvira mas aplicara mal. Em tardes de frustração e pouco talento para actividades típicas de um homem da sua idade e condição, deleitava-se na crítica pela crítica e orgulhava-se dos próprios becos de raciocínio em que se enfiava. Deu largas à imaginação e deturpou os ensinamentos recebidos, dando-lhes nova roupagem. As propostas que ele passara para o papel eram imediatamente chocantes porque qualquer contemporâneo lhes sentia o potencial destrutivo. O autor do livro era Francisco Patego e a aventura insana entristeceu o seu pai e toda a vizinhança. Mas foi a própria inutilidade do escrito e desconexão com a realidade que a reduziu ao esquecimento. Foi suplantada por tudo o que existia de bom antes do Patego nascer. A aberração, mais que evidente, escrita pelo inconsequente Francisco Patego, não impediu porém que ela fosse reproduzida e lida por outros curiosos ao longo dos anos. Convém lembrar que, como qualquer outro, também o escrito do Patego estava imbuído do espírito herdado, mesmo que a intenção fosse contrariá-lo. A criatividade não pode escapar ou deturpar coisas que sempre existiram.

Um dos incautos que leu aquele escrito insignificante foi António Inteligentis, um homem que gostava de pensar sozinho. Tinha olhado com desdém para o que a família lhe ensinara, largou os estudos e fixou-se no livro do Francisco Patego que tinha já 200 anos desde que fora escrito. Uma obra clássica memorável aos olhos de Inteligentis e que transmitia os vícios do seu tempo, dizia ele. Usou-a como base para criticar e menosprezar tudo aquilo que sempre desgostou no mundo. A verdade é que as ideias do livro já tinham influenciado a geração do António Inteligenstis e ele precisava de culpar alguém de forma convincente. Seus curtos 45 anos de vida, para muitos de uma inteligência inquestionável e messiânica, deixaram algumas obras e a maioria debruçava-se na vida de Francisco Patego, suas origens e influências. A grande conclusão de Inteligentis foi: os Justinos mataram a civilização em que vivia e que tinha recebido influência do Francisco Patego que, por sua vez, foi beber inspiração ao antigo Império da Patagónia. O assunto ficou arrumado.  

domingo, 12 de agosto de 2012

"Revolutionise"

But the new rebel is a Sceptic, and will not entirely trust anything. He has no loyalty; therefore he can never be really a revolutionist. And the fact that he doubts everything really gets in his way when he wants to denounce anything. For all denunciation implies a moral doctrine of some kind; and the modern revolutionist doubts not only the institution he denounces, but the doctrine by which he denounces it. Thus he writes one book complaining that imperial oppression insults the purity of women, and then he writes another book (about the sex problem) in which he insults it himself. (...)

As a politician, he will cry out that war is a waste of life, and then, as a philosopher, that all life is waste of time. A Russian pessimist will denounce a policeman for killing a peasant, and then prove by the highest philosophical principles that the peasant ought to have killed himself. The man of this school goes first to a political meeting, where he complains that savages are treated as if they were beasts; then he takes his hat and umbrella and goes on to a scientific meeting, where he proves that they practically are beasts. In short, the modern revolutionist, being an infinite sceptic, is always engaged in undermining his own mines.

G.K. Chesterton, Orthodoxy


terça-feira, 7 de agosto de 2012

De quem não se devem ouvir conselhos


I - Os que fazem da carreira profissional uma "corrida de estafetas",concedida pelo costume ou desejo da família, hesitam pouco. Limitam-se a passar um testemunho que significa pouco ou nada. Há um cumprimento escrupuloso de alvos sucessivos e irrelevantes e o sucesso que daí vem consome-se numa simples aprovação pelos seus próximos numa glória tão pouco merecida porque foi mal e porcamente conquistada e valorizada. 

II - Num segundo patamar estão os indecisos com a confiança e vontade própria vergadas. Estes lançam a rede a um indefinido mar de possibilidades e evitam todas as que possam criar atritos, resistência, inimizade. Nada que os canse muito, portanto. Quando as oportunidades começam a escassear e os lugares a serem ocupados num jogo de cadeiras mais sério, o desprezo pelos mais audazes e autónomos transforma-se num desespero que tenta agarrar alguma coisa como sua e fingir agrado. Dar crédito à opinião e censura de pessoas como estas - quando ainda falam em idade de folga e fraca experiência - é entregar a vida às fileiras da fraca sabedoria e das aparências. A eficácia em convencerem-se a si próprios é débil, mas o esforço visto de fora, então...chega a ser cómico. 

III - Em terceiro, estão aqueles que devem rejeitar os conselhos dos dois primeiros. Arriscar a pele compensa nem que seja preciso mudar várias vezes de pele conforme mudam as incertezas, inquietações e desejos próprios. É muito fácil ser coerente ao decorar coreografias que não são interpretadas e questionadas. Mais fácil ainda é repetir graves e descaradas incoerências que são assimiladas pela maioria, aprovadas e aplaudidas. O complicado, sim, é montar uma coerência própria, mas é isso mesmo que este terceiro grupo persegue; para ele, a honestidade de cada afirmação é a condição para um sono descansado. E que consideração recebem os indivíduos do terceiro grupo, diante dos outros?

Aos olhos dos profissionais de “corrida de estafetas”, passam ao lado ou são olhadas com desconfiança e espanto porque, enfim, existirão formas mais seguras de ter um currículo e levar o pão para a mesa. 

Aos olhos dos segundos - indecisos, vendidos, falsos neutros - são uma eterna "pedra no sapato". Invejam que a capacidade de teimar em remar contra maré possa lograr mais respeito do que uma vida de vénias e de fuga ao confronto. 

sábado, 4 de agosto de 2012

Order

But you have disposed all things by measure and number and weight. For great strength is always present with you; who can resist the might of your arm?

Wisdom, chapter 11; 20-21