sábado, 6 de abril de 2013

Tomates e Sociedade Civil Vibrante

Quando aparece alguém a dizer que o nosso problema é a falta de uma “democracia madura”, associo a tomates. Aquele tomatinho maduro e mole, esborrachado sob o sol ardente nas planícies áridas do Ribatejo. Pisadinho e a gotejar com moscas e carreirinhos de formigas à volta. Eu pensava que já tínhamos uma democracia madura. 

quinta-feira, 28 de março de 2013

Contra-relógio

As mulheres vão detestar aquilo que vou dizer, apesar de ser altamente óbvio. 

Percebe-se que há algo de muito errado na maneira contemporânea de viver, quando contamos uma década  de fertilidade e prevemos que essa condição, em inactividade infrutífera, se prolongue por mais uma década - certamente absurda e com picos de frustração, sem explicação aparente - por força das obrigações e solicitações em redor. Há algo de muito distorcido nesta arquitectura de prioridades e numa certa supressão de instintos fundamentais. Estes becos sem saída, com expectativas e compromissos impostos à mulher, vão custar caro no futuro. Só as cobardes ou orgulhosas não admitirão o conflito que lhes impera no pensamento. 


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Infiel

A infidelidade é a causa de toda a destruição porque é o oposto do amor. O amor não é um bem-estar ambíguo nem uma satisfação intermitente. O amor é testado na partilha e não é calculista. O amor fortalece-se na entrega a quem amamos e não estabelece condições nem é travado por caprichos.

A infidelidade é a completa inversão do amor. É o “eu” exaltado ao extremo. É a habilidade para explorar os outros em benefício próprio sem a mais tímida compaixão. É adormecer e acordar sem memória nem pesar É a habilidade da coordenação de interesses, cinismos e falsos cavalheirismos sádicos. É uma ingratidão descarada que enjeita o coração de quem se deu todo e incondicionalmente. 

É a traição que procura uma aventura diferente dia-a-dia enquanto esfaqueia a esperança e o amor dado, condenando o outro ao encarceramento numa humilhação que consome a alma sem termo à vista. A infidelidade é a idolatria do indivíduo na sua podridão solitária em que mais tarde será corroído por não saber amar. 

É um golpe forte que custa a aliviar mas que pode elucidar-nos de forma indescritível e inesquecível do que sente Aquele que amou o mundo sem pedir nada em troca. Aquilo que Ele sente cada vez que é enjeitado por aqueles que O trocam pelas vulgaridades terrenas. Uma traição entre os homens pode ser a lição dolorosa que muitos precisamos receber para nos envergonharmos da miséria humana em que toda a gratidão e entrega são fracas perante tal misericórdia. Às vezes parece que andamos aqui a brincar. Ingratos.


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Micro

Na Europa de Leste actual, como na América Latina e na América do Norte, a chave para o crescimento dinâmico a partir do topo reside no sector da pequena empresa, e não nas grandes indústrias (necessariamente mais burocráticas); é aí que se cria mais empregos. E é aí também que se faz sentir uma lei da teologia cristã: é entre as coisas humildes, muitas vezes menosprezadas, que se encontra a maioria dos impulsos criativos. 

Michael Novak, "A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo", p. 90.


Idiotas Úteis: O Pequeno-Almoço do Leviatã


O que pode tornar a vivência mais insuportável do que acordar todos os dias com um interminável novelo estatal mais embaraçado, viciado e pesado? O que pode ser mais desmotivador do que ser despojado de quase todos os mecanismos de resistência civil a uma democracia tirânica e distante que todos os dias confirma os receios dos mais pessimistas? Ocorre-me somente uma outra coisa que tem-me incomodado, ultimamente, com maior persistência: o tom pejorativo de alguns bajuladores do pulso forte do poder ao referirem-se às ideias libertárias. Questiono-me se estas pessoas chegaram agora de Marte e estão alheias à realidade, se têm parte no "negócio" ou se são somente agentes demasiado moles perante as mudanças graduais e pouco perceptíveis que sempre anestesiaram a maioria da população, de forma tão conveniente, seja na base ou nas elites. Tentando ser menos drástica, é possível que os bajuladores queiram apenas chatear "o miúdo mais pequeno do recreio" para fins recreativos.

No entanto, enquanto os tempos agudizam a tensão em estados endividados e descredibilizados, divididos entre os seus dois desamores - o embate com a moribunda capacidade de aumentar receita fiscal e a inaptidão para contrariar os grupos que têm na sua dependência, sem enfurecer o bicho nem gerar solavancos – existem ainda estas pessoas que consideram que o inimigo prioritário a combater é, pasmem-se, um movimento corajoso de ideias que vai denunciando as raízes, incentivos e dimensão da corrupção natural do poder político. É por repararmos nesse decadente treino de lealdade absoluta, confinada no servilismo ao Estado, seus múltiplos organismos seculares e seus capangas, por nos indignarmos com tal capacidade de papaguearem as lições, explicações, ordens e justificações oficiais, que chega a dar um certo gozo ver como o jugo acresce também em cima destes pregadores da brandura, dos meios-termos e da subserviência ao Estado de Direito e trâmites legais que ele nos oferece tão gentilmente. Alguns indivíduos nem de pancada se fartam.

Mas à semelhança do Sol que nasce sobre maus e bons e da chuva que cai sobre justos e injustos, também as fresquinhas ordenanças do nosso governo rebentam igualmente na vida daqueles que não se importunam com elas, antes as bendizem; aqueles que acham razoável entregarem ao desbarato metade do ano de trabalho nas mãos do governo; os que condenam os compatriotas por levarem a riqueza própria para outras jurisdições mais favoráveis; os que preconizam um país que só se reproduz a toque de cheques e fraldas oferecidas por autarcas; as que correm as casas todas das vizinhas a explicar que é preciso pedir factura para não deixar escapar malandros; os que se mentalizam com convicção de que é mesmo imprescindível renovar a carta de condução de 10 em 10 anos e ainda repreendem os amigos rebeldes; os que nem têm habilidade para reclamar diante de um mau atendimento em serviços públicos; os que aceitam de bom grado que se transfiram funções para instâncias supranacionais; e os que continuam a acreditar que introduzir concorrência em domínios como o fornecimento de energia, educação, saúde, etc, é um golpe mortal na dignidade e sobrevivência humanas à face da Terra – conta-se até que a extinção dos dinossauros deveu-se precisamente à liberalização das telecomunicações. Portanto, as novas ordenanças cobrem todos estes e outros imbecis.

Como disse Nicolás Gómez de Ávila, nos seus Aforismos, "o estado moderno fabrica as opiniões que recolhe depois respeitosamente com o nome de opinião pública". Só os idiotas úteis incapazes de avistarem horizontes temporais do passado mais ambiciosos do que a última refeição ou última ida ao supermercado, se orgulham de passear por aí com a elegância dos slogans asseados e obediência, maquinados pelos seus líderes contemporâneos.

Só os mais atentos percebem os perigos de uma progressiva totalitarização da sociedade. Quem já levou crianças à praia, até ao final da tarde, pode perceber como isto funciona. O efeito das ondas é semelhante aos sucessivos declínios e ascensões de poderes tirânicos. Pela manhã, ficamos entusiasmados com o amplo espaço livre. Depois da hora de almoço, caímos na moleza da digestão, da sesta e do sol tórrido e, ao cair da tarde, lá vamos recordando que é sensato ir levantando as coisas. E nisto, as crianças são as ingénuas teimosas que nos empurram para mais um mergulho porque nada se passa. Quando somos vencidos pela imprudência e olhamos para a areia, lá se foi a tralha, consumida pela ilusória timidez da maré a encher ao de leve. A expansão do poder do Estado reconhece-se da mesma forma: ou numa permanente atenção que tem consciência das experiências do passado ou, menos preventivamente, quando ficamos muito tempo sem olhar para o nosso objecto. O que trama as pessoas que negligenciam as cautelas diante do poder político é não poderem visitar a actualidade económica, fiscal, social, depois de transitarem de um período de 50, 100 ou 200 anos numa máquina do tempo. Nada que força de vontade e umas aulas de história não colmatassem.

Olhando em redor, por toda a parte encontramos passividade. Uma passividade que pode encontrar explicação na condição de anonimato em que nós, uns mais e outros menos, fomos confinados, depois de minados os compromissos, a vasta panóplia de lealdades próximas e, em geral, as unidades sociais com conteúdo e poder de resistência e cumplicidade contra a estatização da essência humana. Testemunhamos a passividade com que se aceita a aleatoriedade de novas regras administrativas, novos impostos e regulamentos que afectam o consumo e a relação entre consumidores e fornecedores, a vigilância e perseguição aos modos de vida e condição física dos cidadãos. Vamos começar por onde? Deixar o carro na garagem e andar a pé? Privarmo-nos de produtos com o IVA mais alto? Querem mesmo alterar rotinas pessoais por força das orientações governativas e para se sentirem bem com vós mesmos? Não há escape com pompa que valha a pena o esforço porque estamos sozinhos perante a discricionariedade do Leviatã, esse raptor que desforra até ao último pulsar de dignidade. A passividade descamba em fragilidade, de pernas e mãos atadas. O propósito nunca foi outro. E esta, hã? As políticas liberais vão matar-nos? Por ausência delas... calculo.

Publicado no Estado Sentido 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Resoluções do Ano 2013



"De boas intenções está o inferno cheio" e é bem verdade. Entre as pessoas que já conheci, as mais desorganizadas, inconsequentes e descontroladas eram precisamente aquelas que mais se mobilizavam na típica histeria das resoluções de Ano Novo. Como se não bastasse o entusiasmo ritualístico dos vários "vou ser bonzinho e pedir perdão a toda a gente", "começarei a fazer desporto e perderei 10 kg em Janeiro", "pouparei metade do ordenado a cada mês", "vou deixar de criticar o meu patrão", nos entretantos ainda nos dizem, com ar repreensivo de mestre "então, e tu não tens nada a corrigir, seu passivo?". Conhecendo o historial pouco exemplar dessas pessoas, conseguimos controlar a fúria ao recordar que são casos de "muita parra e pouca uva".

Recordo-me sempre que costumo lucrar ao preferir não elevar muito as expectativas, reservar-me a um pessimismo que me garante ser, de vez em quando, agradavelmente surpreendida, e aceitar as falhas como inerentemente humanas e passíveis de moderar com ajuda dos conselhos da experiência acumulada – a minha e a dos outros. Pelo contrário, aquela atitude de procurar escapar aos vícios numa perpétua tentativa de redenção rotativa e de novos começos, esbarra com a realidade.

Assemelha-se muito à gestão de expectativas e de tomadas de decisão da nossa democracia. Tal como não acreditamos que aquela nossa colega de trabalho consiga ter a língua menos afiada nas primeiras horas de trabalho de Janeiro, nem que o nosso colega dos petiscos reduza o peso até ao Verão, da mesma forma é ingénuo depositar demasiada esperança na dieta do Estado e na escolha das suas melhores companhias. Não é defeito, é feitio. Depois a privatização de um canal público de televisão é tão manhosa da mesma maneira que o nosso colega de turma nos torna a entregar a sua parte do trabalho, fora de horas e com as aldrabices habituais. É a via dos resultados imediatos, do facilitismo tolerado porque tornado padrão, do culto da burla e do chico-espertismo. Na mesma linha, também ninguém mete a mão na massa quanto à queda anunciada da segurança social, nem numa reforma séria do ensino superior, à semelhança daquele nosso vizinho que continua a chegar atrasado ao emprego por coordenar mal os filhos na rotina matinal e por se acanhar de os despertar mais cedo. Depois a alienação silenciosa do sector produtivo e da soberania nacional é embalada ao som de um jornalismo descuidado, capturado e pervertido, à semelhança da esposa que continua a desleixar-se, andando em casa com os rolos no cabelo, enquanto o marido pisca o olho à mulher alheia. Por fim, temos a banalização dos resgates financeiros. Os resgates deixam de ser encarados como humilhação e passam a assumir tom de exigência e reclamação em nome da solidariedade, tal como aquele nosso familiar perdulário que emaranha-se em dívidas para viajar, porque sempre foi assim e sempre encontraram uma solução...a vida são dois dias.

O típico indivíduo desovado na era da estatização total da acção humana, pouco habituado a prestar contas, a enfrentar as consequências da perda de prestígio decorrentes de más decisões e comportamentos inconvenientes, avesso a reconhecer os infortúnios da natureza, as aptidões e sortes desiguais, socialmente desenraizado e economicamente desresponsabilizado, é a criatura que adere, tanto aos objectivos bacocos subitamente inspirados pela passagem de ano, como às promessas eleitoralistas dos sucessivos desgovernos; ambas, infantilidades irrealistas e soluções miraculosas que nunca passam do papel.

Ninguém melhor que Ortega y Gasset para expressar-nos bem esta ideia:

«Un ventarrón de farsa general y omnímoda sopla sobre el terruño europeo. Casi todas las posiciones que se toman y ostentan son internamente falsas. Los únicos esfuerzos que se hacen van dirigidos a huir del propio destino, a cegarse ante su evidencia y su llamada profunda, a evitar cada cual el careo con ese que tiene que ser. Se vive humorísticamente, y tanto más cuanto más tragicota sea la máscara adoptada. Hay humorismo dondequiera que se vive de actitudes revocables en que la persona no se hinca entera y sin reservas. El hombre-masa no afirma el pie sobre la firmeza inconmovible de su sino; antes bien, vegeta suspendido ficticiamente en el espacio.» La rebelión de las masas

(Em inglês, é capaz de dar-vos jeito «A hurricane of farsicality, everywhere and in every form, is at present raging over the lands of Europe. Almost all the positions taken up and proclaimed are false ones. The only efforts that are being made are to escape from our real destiny, to blind ourselves to its evidence, to be deaf to its deep appeal, to avoid facing up to what has to be. We are living in comic fashion, all the more comic the more apparently tragic is the mask adopted. The comic exists wherever life has no basis of inevitableness on which a stand is taken without reserves. The mass-man will not plant his foot on the immovably firm ground of his destiny, he prefers a fictitious existence suspended in air.»The Revolt of Masses)

Uma sociedade não pode nortear-se por "resoluções de ano novo". Nesta viragem para o ano 2013, seria conveniente olhar mais para o passado e inventar menos acerca do futuro. Menos ao arrepio da realidade e mais conscientes dos vícios que vão sempre retornar se não tivermos por referência a falibilidade do comportamento humano e a natural conspurcação da democracia centralista. Será desejável desconstruir menos as bases em que a nossa história está sustentada, parar de seguir a lógica cíclica e infantilizante das mudanças, correcções e congratulações rápidas e dar mais primazia à continuidade do que às rupturas. Se a pista de corrida é curta demais, o nosso maquinão nunca chegará a atingir velocidades dignas que se vejam.

Publicado no blog Estado Sentido.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Espécies a Aniquiliar na Rede Social


Eu sei que não é nada original fazer teses sobre fenómenos que decorrem no Facebook mas importa aqui discorrer sobre três tipos de manifestações escritas que são perturbadoras. A categorização é minha e limito-me a enumerar os tipos mais frequentes e dolorosos.

1 - O “Activista Compulsivo Implacável”, faz terrorismo visual em Caps Lock num interminável grito mudo: “EM 1990, NASCI E VIM AO MUNDO, APÓS A REVOLUÇÃO DE ABRIL. EM 2008 ENTREI PARA OS FUZILEIROS. ESTE MUNDO É FEIO E O GOVERNO DEVIA BAIXAR OS IMPOSTOS, CARAGO! É UMA CAMBADA DE LADRÕES, GATUNOS E COISO E TAL. TENHO SAUDADES TUAS! QUANDO PASSAS CÁ COM OS MIÚDOS? JÁ DEI DE COMER AOS CÃES E AGORA VOU FAZER O ALMOÇO. BEIJOS À FAMÍLIA, ÉS MUITO LINDA.”

2 - O “Mestre do Suspense”, prende-nos a atenção numa perpétua reticência para fazer render a fruta. Geralmente só tem banalidades a transmitir: “Agora que dizes isso, lembrei-me de muitas coisas que podia exemplificar…Tem muito que se lhe diga…realmente. Bem, não concordo com tudo, claro…admito…mas é interessante…Não podemos estar sempre de acordo…não é…? Mas fez-me pensar…já foi bom por isso. Acho que não devias era meter essas coisas…aqui. Que tal irmos beber um café?…Sim…?...”

3 - “O Iletrado Omnipresente”, é aquela pessoa que nos faz tremer sempre que surge uma notificação referente a ela. Esta espécie pode encontrar a sua causa numa irremediável inimizade com o teclado ou num período alargado de emigração que varreu as réstias de bom português que lhe inculcaram na infância: “olà qrida! Està moitu bom!! O videu é um bucadu cinistro mas engrazadu. Já extive a ver as voças fôtos do Luxamburgo e nem todo vai bêm. Mas desejovos toda a forca do mundo!!! Gosta-va de darvos um abraso ainda neste Natál. Beijinhus prá famìlia! E desculpa os errus, estou a esquever num teclado difrente”

domingo, 16 de dezembro de 2012

Festas Boas - Entre a Gula e o Grotesco

Mais deprimente que um “Natal dos hospitais”, só mesmo o Natal dos “Centros comerciais”. Tão intragáveis templos da modernidade, atulhados de ateuzinhos frenéticos e desesperados, fazendo equilibrismo com a caixa das farófias a pingar nos rebordos, os 6€ de Bolo-Rei estandardizado, as bonecas descabeladas e os telecomandados infernais que oferecem aos seus rebentos. Ainda mais cautelosos em aprimorar o laicismo da metódica mensagem de “boas festas” do que na escolha do bacalhau ideal, desfilam humilhantes com o barrete reles enquanto improvisam a pergunta simuladamente preocupada em conhecer o comportamento dos putos ao longo do ano. Não tenham tanta pressa; vão ver que adormecem ainda mais estéreis do que quando acordaram. Encham o bandulho com calma para poupar no ENO e não esbanjem tudo em presentinhos de conveniência porque em Janeiro costuma haver subida dos combustíveis. 


sábado, 1 de dezembro de 2012

New Dawn Fades

A merecida recompensa nunca chega tarde. Chega quando está pronta para ser recebida. No terreno já aplanado.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Esticar a corda


Agora há por aí uma tendência para sustentar qualquer opinião, com base do maniqueísmo entre lado protestante e lado católico. Em prejuízo do primeiro que é coisa que até me agrada. Mas quando repetido até à exaustão, com certo oportunismo e por “dá cá aquela palha”, começa a dar tédio e a perder seriedade e impacto. Eu não gosto de favas, ora portanto, devo concluir que as favas revelam um amargo muito protestante e o meu rico chocolate é claramente católico. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Solidariedade Planetária

Tive uma visão do paraíso na terra. Um exército planetário, pois só assim evitaremos facções e crispações em defesa de interesses rivais. Para além de mantermos a paz intacta, reuniremos poderio bélico capaz de fazer frente a qualquer marciano que nos ameace. Este exército permanente será financiado, naturalmente, pela boa vontade e impostos de todos os homens da Terra. Os mesmos impostos que servirão para nivelar a riqueza dos territórios, tão assimétrica e injustamente dotados pelo Criador. Contribuintes da Noruega a pagarem maquinaria agrícola para o Gabão; empreendimento de obras, no Alentejo, à conta de impostos cobrados no Texas. Só assim o egoísmo dos povos será abolido e atingiremos a plenitude da solidariedade. 

Penso que isto foi um toque inspirado pela opinião da Ana Gomes. Dizia ela, ontem à noite, que os europeus são “mesquinhos” porque não têm a visão do benefício para “um todo” e não são solidários. Entristece de facto (esta senhora deve ser a maior lá do bairro; solidária como só ela sabe.) Às vezes surpreendo-me com estas visões, apocalípticas mas lindas; depois lamento que não apareça ninguém, com regularidade, a convencer as pessoas que isto só vai lá com um orçamento único, bem atilado por gente genial que não se misture com o povo grunho que está cá em baixo a trabalhar, sentir, preferir e escolher coisas. Não costuma aparecer ninguém, pois não? Huum. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Lynyrd Skynyrd - That aint my America


It's to the women and men in their hands they hold a bible and a gun
And they aint afraid of nothing when they're holding either one, oh uhh
Now theres kids that cant pray in school, hundred dollar tanks of gas,
I can tell you right now this country aint, aint supposed to be like that

No, that aint my America, that aint this country's roots
You want to slam ol Uncle Sam but I aint lettin you
Yeah I'm mad as hell and you know I still, bleed red white and blue
That aint us, that aint my, that aint my America, oh no, That Aint My America


Ontem, até entornavas o champagne


Foram só 11,71%. Certo. Até podiam ter sido apenas 8% ou 5%. Qualquer saudável pessimista sabe que o partido seria sempre tímido no peso decisório; e depois lá surgem os fatais arranjinhos de coligação que dão sabor amargo a qualquer eleitor que ainda guarda sinceridade na intenção de voto. A democracia, suja como é, não traz grandes novidades - apesar de alguns resquícios de fé renovada que lá aparecem de tempos a tempos – mas a benevolência de alguns militantes, o culto do chefão de partido e a luta contra a realidade por recurso ao simples engrandecimento face ao outro (que é pior do que nós e isso dá um jeitão), revelam bem o lado mais sinistro do clubismo partidário português. 

Se não queriam humilhar o nome que vos marca a fachada, os princípios em que se alicerçam, os célebres discursos do passado, a confiança dos simpatizantes que reuniram pelo país sempre que os cidadãos sentiam mais um golpe fiscal a apertar…Se já estavam fartos de saber que só vos queriam na coligação para juntar o número de carneiros necessários para sentar e levantar, então nunca aceitavam! Era preferível fazer pressão por fora do que alinhar com chantagens de suposta estabilidade, fazendo figura de ursos. Ter preferência por deitar borda fora tudo o que venderam a quem vos deu votos, optar pela traição completa para ajudar a enterrar o país, fazer este “belo” serviço? Desculpabilizam-se porque não conseguem ser mais do que lacaios do PSD, dado que foram só 11,71%. Bem, quando entraram no "monstro" já sabiam. Não merecem qualquer consideração, nem perdão. Não peçam moderação nas críticas que vos são dirigidas.


domingo, 18 de novembro de 2012

"A modernidade vai no sentido errado" - João Gabriel

Isto é deveras preocupante.
João Gabriel, (9 anos).
Análise Comparativa de Escola Primária herdada do Estado Novo e Escola Primária inaugurada em 2011:
“Não gosto da escola nova porque está muito longe de casa, o escorrega é pequeno, o campo de futebol é muito rijo, os mosaicos estão totalmente mal colocados, tem más instalações perante a chuva, o corredor único junta o barulho de todos, tem cores enjoativas na cantina, janelas mal pensadas porque as senhoras precisam de uma vara para abri-las, as pedras que enfeitam o telhado precisam de manutenção quando a chuva ou o vento são fortes, o polivalente é pequeno e eu preferia ir ao Palácio dos Desportos de Torres Novas, a escola tem fácil acesso para assaltantes, há fortes correntes de ar no recreio porque a construção está mal desenvolvida, as grelhas da vedação são feias e existe um muro de três metros que coloca as crianças em perigo porque algumas saltam à pressa quando toca a campainha.
Gostava da escola antiga porque a sala era bem organizada, os cabides e arrumação eram perfeitos, o recreio era enorme e divertido, o escorrega era funcional, estávamos livres de correntes de ar, tínhamos árvores de fruto e plátanos grandes, a vedação era bonita, o chão estava bem nivelado e resistente, as janelas eram práticas, os bancos eram confortáveis, as cores eram agradáveis e a temperatura, no Verão ou Inverno, era sempre amena.”

sábado, 17 de novembro de 2012

Militância em Foco


Certamente implica inúmeros custos, decepções, cabeçadas, críticas pessoais e, sobretudo, deve ser sempre acautelado por cepticismo e firmeza nos valores pessoais. 

Mas se existem vantagens a ponderar na decisão pessoal de arriscar a militância num partido político a nível local, elas passam por: possibilidade de sentir, sem rodeios, tensões internas em vez de silêncios de ocasião, como acontece a nível nacional; regressar regularmente ao nosso “ninho natal” e esquecer algumas abstracções que tão confortáveis são no nosso dia-a-dia profissional; sentir alguma vergonha pelos nossos momentos de crítica fácil quando, finalmente, paramos para ouvir o testemunho vincado de autarcas que sempre se debateram por contrariar os embaraços de Lisboa e priorizar o bem da comunidade; observar vontade genuína de encontrar formas alternativas de financiamento e de promoção do bem-estar; sentir cumplicidade entre os nossos conterrâneos quando concordamos na necessidade de um policiamento de proximidade porque nos desleixámos em cima das pedras que os nossos antepassados se bateram por pacificar; despertar para atentados feitos à população, tais como, mapas judiciais que desmembram o contacto do povo com a Justiça e manipulação burocrática que desmotiva as capacidades produtivas da agricultura e da indústria; entender, em dimensões palpáveis, a factura que os sucessivos governos nos legaram, naquilo que é nosso; e apreciar que as ideias e sugestões concretas, muitas vezes, suplantam pacotes ideológicos. 

Apesar de ser um problema, como alguém dizia hoje, “um autarca poder trocar tigelas de sopa por votos”, acrescento eu: ainda é mais perigoso um poder central organizar matanças do porco e churrascadas para todos. 

Cada um desempenha o seu papel onde se sente confortável; se as expectativas esbarrarem com a realidade, podemos dar-nos ao luxo de tirar daí um ensinamento, por conta própria, que ninguém nos contou.

Foi a Traição que Te Encheu


Outra culpa não tem quem ama o que é seu;
Culpa de trazer, com amor, o gemer da Pátria às costas.
Conta-lhes, diz aos teus que não foste tu,
Diz quantos o fizeram antes e refizeram sem pudor.
Maldição repetida por este, pelo que vem e pelo antecessor,
Tormento habituado sem redentor.

Esmorece-te mas não abras a porta à humilhação;                                                                                        
Que alento feliz é esse que à tua expressão dá sustento
E que força é essa que diante da ofensiva, contempla a paz da Lezíria?
Porventura enjeitaste o hábito, o adaptar dos ventos,
O caiar da casa e a reconquista dos aldeamentos?

A chaga que te expõe mas não esqueceu
E a lembrança que trazes no rosto,
Oh, semelhante semblante na calma de Agosto,
Não é esta a persistência de quem tanto padeceu?

Braços erguidos em afronta à traição
Não chegam para agonizar os vendidos que tanto enriqueceste
Nem que se abra agora o chão e engula os traidores,
Desleais de tanta respiração e suor agreste
Portadores de tantas perfuradas dores.

Que morte lenta concede ir à algibeira
Do amor que proteges à tua beira?
Doce descanso esse em que dormes a meio da invasão
Compras e vendes pisando o sangue na ladeira
Nasces a abraçar a armadilha da rendição.

Não te deixes embalar como quem é expulso;
A ruína das pontes que pisas, num pisar derradeiro de agonia e ingratidão,
Geme o passado límpido de quem te deu o pulso
E esse génio de uso que o estrangeiro usurpa porque vê que estás cheio.
Não lhes confesses o anseio, não reveles a memória amada,
Cuida do teu celeiro como da honra estilhaçada,
Guarda-o, esconde-o do alheio e confia que estás cheio,
De confiança, de centeio.
Bem sei, coração fraterno, que estás cheio.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O que o tempo ensina

Se a vontade dos governos fosse feita para vergar com facilidade, não teriam sido enviadas pragas, por terra e mar. Para despertar a humildade e quebrar alguma altivez de certezas perante os aparentes grandes feitos humanos, impõe-se,  por vezes, a necessidade de sacrificar uma geração de primogénitos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

Inimitável

Não sei como deixei passar, mas ainda venho a tempo. O comentário de Pedro Mexia, na Lei Seca, ao soberbo concerto de Leonard Cohen, com o fascínio e reverência com que poucos o conseguiriam descrever. Eu reduzo-me a ficar imóvel na cadeira enquanto a voz do bom velho faz o tempo parar na entoação de sabedoria inabalável e polida humildade.

Quatro concertos em cinco anos, Cohen compensou-nos, e bem, da longa ausência dos palcos e do mundo, quase diríamos «bendito desfalque», aquele que o fez ter de andar de novo em digressão, vir até nós. Dos concertos portugueses, um foi excepcional (o de Algés: comunicativo, desapontado, divertido), mas nenhum foi mau, não é possível, com aquele catálogo, com aquela presença.

De fato escuro («a lazy bastard living in a suit») e chapéu, magro, envelhecido, impecável, Cohen é sóbrio, educadíssimo, afável, apresenta e elogia demoradamente os músicos, trata-nos por «friends», fecha os olhos, dobra-se, ajoelha-se, saltita, curva-se, agradece-nos, abençoa-nos. É romântico, lascivo, místico, cáustico, um charmeur de cinismo brando, agora pacificado, e de crenças antigas, de ideias velhas, actuais. Aos 78 anos, deu-nos três horas e meia de espectáculo, que ouvimos com reverência, festa, emoção, e há muito que Cohen tem direitos a coros femininos e a solos virtuosos, ganhou o direito de fazer o que quiser com a sua música e com a sua poesia. 

Desta vez, tocou canções de todos os álbuns que contam: «Suzanne» (um hino improvável), «Sisters of Mercy» (a mais casta das canções impúdicas), «So Long, Marianne» (a mais feliz das despedidas tristes), «Hey, That’s No Way to Say Goodbye» (e eu bem sei); «Bird on the Wire» (a simplicidade total), «The Partisan» (numa calorosa interpretação, a política abstractizada, comunitária, instintiva); «Famous Blue Raincoat» (a mais adulta, mais terrível, canção de amor de mão em mão); «I Tried to Leave You» (bom tema para encores e sarcasmos), «Who by Fire» (o mais polissémico verso de Cohen: «And who shall I say is calling?»): «The Guests» e «The Gipsy Wife» (canções «étnicas», etnomusicais); «Dance Me to the End of Love» (passe a redundância), «Coming Back to You» (Cohen deu voz às «sublime Webb Sisters», e de facto são), «Hallelujah» (e o Atlântico tornou-se bíblico); «First We Take Manhattan» («e depois Berlim», cantaram as massas), «Everybody Knows» (as males pessoais e os males do mundo, isto anda tudo ligado), «I’m Your Man» (masculinidade para homens inteligentes), «Take This Waltz» (Lorca vive), «Tower of Song» (Cohen pensionista da canção); «The Future», (um tratado de conservadorismo apocalíptico), «Waiting for the Miracle» (com a sardónica: «The Maestro says it’s Mozart / but it sound like bubblegum»), «Closing Time» (ideal para um falso final de concerto), «Anthem» (talvez o melhor verso de Cohen: «There is a crack in everything / That’s how the light gets in»), «Democracy» (whitmaniana, paradoxal); «In My Secret Life» (quem é que não tem uma?), «Alexandra Leaving» (com a possante Sharon Robinson). E do novo álbum, que ainda não ouvi suficientes vezes, «Going Home», «Amen», «Darkness», «Come Healing» (os títulos dizem tudo, é quase uma despedida).

Embora tenha falado pouco, Leonard Cohen disse-nos: «Espero encontrar-vos mais vezes no futuro». Ainda que não volte, fica prometido.  

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Tomás Luis de Victoria (1548-1611) Responsori

Daquilo que permanece

Apesar de tudo, é tranquilizante saber que os mais perniciosos e desequilibrados experimentalismos humanos não prevalecem, com resistência que lhes valha, aos eixos da natureza e do tempo mais imponente.  Tal como o homem que menospreza o valor da camaradagem termina os seus dias a lamentar a evidência que andou perdida nas suas loucuras: ninguém depende do outro por ser incompetente mas porque o aperfeiçoamento só se alcança pela conjugação confiante e habitual das aptidões.

Nenhum ousado consegue   aguentar-se como eterna carta fora do baralho e cai na humilhação da própria arrogância. Por muito devastador que seja, cai no esquecimento e toma lugar a rendição ao equilíbrio inicial. Assim também, existem ideias que são tornados; conhecem-se à distância e são assustadoras aos olhos de quem respeita e protege os bens e valores erigidos. Aquelas ideias são passageiras e nada abalam se existe a base robusta, tão duradoura quanto refinada e polida.

(William Bouguereau, La leçon difficile)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Complexo

(Simulação) Contributos valiosos de alguns investigadores das relações internacionais nos noticiários; ou velhos ressentimentos com colegas de ciências da comunicação porque eu percebo de tudo em geral e de nada em particular:

- Ouçaaa…eu sei que vocês jornalistas gostam de encontrar uma resposta linear para tudo mas eu não posso dar-lhe isso aqui. Não quero cometer imprecisões e avançar com cenários futuros porque tudo é muito incerto e existem muitas tensões entre agentes e blocos e massas. O que lhe posso dizer é que é preciso ter cuidado com os preconceitos quando avaliamos cenários destes; o futuro é nebuloso e está tudo em aberto. Até tenho algumas possibilidades que podia aqui partilhar convosco mas não é o lugar apropriado porque as pessoas lá em casa não vão perceber. Nunca estiveram num observatório político; nunca viram os acontecimentos com olhos de ver, está a ver? A minha opinião também não a posso dar porque a minha profissão é guiada pela isenção e rigor. Mas estamos a viver tempos interessantes, sem dúvida. Vamos aguardar. 

Não é para parecer arrogante porque Relações Internacionais nunca foram bem a minha praia. Mas é por isso mesmo que fico na expectativa de uma luz orientadora. Mas “sai sempre mais confuso do que o que entrou”, como dizia o artista. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Barroso, muda-me o pneu!


Sempre pioneira na divulgação das notícias mais frescas que nos chegam de Bruxelas, a imprensa britânica deu a conhecer, na primeira semana de Setembro, a intenção da Comissão Europeia submeter veículos clássicos e modificados ao teste de licenciamento nos vários Estados-membros para manter as estradas mais seguras e proteger o ambiente. [1]

Esta uniformização das regras de licenciamento vem pesar sobretudo, ao que parece, nas viaturas que são definidas pela UE como “veículos históricos”. Um “veículo histórico” segundo a definição da FIVA (Fédération Internationale des Véhicules Anciens) é um veículo rodoviário de propulsão mecânica fabricado há pelo menos 30 anos, preservado e mantido em estado historicamente correcto, que não é utilizado como meio de transporte diário, e que faz parte do nosso património técnico e cultural (ou conforme consta na proposta: «vehicle of historic interest’ means any vehicle which fulfils all the following conditions : It was manufactured at least 30 years ago; It is maintained by use of replacement parts which reproduce the historic components of the vehicle; It has not sustained any change in the technical characteristics of its main components such as engine, brakes, steering or suspension and It has not been changed in its appearance.» [2]) Comovam-se todos, a UE está preocupada com a conservação do seu património cultural - talvez esteja a tentar redimir-se dos domínios em que o destrói. 

Dentro dos referidos parâmetros, percebemos que muitos carros deixarão de estar isentos dos testes e haverá ampla possibilidade das viaturas serem chumbadas devido à panóplia de justificações e complicações, no momento do teste, que decorrem da introdução de componentes distintos dos originais e da impossibilidade de ter acesso aos dados detalhados de origem.

Em especial no caso inglês (onde o alarme eurocéptico depressa disparou), a ser aprovada como lei, esta mudança irá incidir nas regras da inspecção nacional dos transportes, MOT (Ministry of Transport) test, acrescendo-se à já rigorosa exigência que tem aumentado ao longo dos anos, tanto na regularidade temporal das inspecções, como nos aspectos técnicos verificados. A indústria dos “carros históricos” emprega 28 mil pessoas e contribui com 4,3 mil milhões de libras no Reino Unido. [3] Os especialistas nestas lides garantem que as modificações aplicadas aos veículos não afectam a sua segurança, contudo, é impossível demover a ávida actividade legislativa de normas supérfluas que consomem tempo e dinheiro. 

Quem tem carinho especial pela sua relíquia automóvel, estima-a tanto que quase não sai com ela à rua; prefere puxar-lhe o lustro do que propriamente acelerar. Se o automobilista sabe que está a conduzir um carro novo com o máximo de conforto e segurança garantidos, mesmo inconscientemente é levado a arriscar e a dar-se a um maior desleixo que pode levar, paradoxalmente, a uma maior probabilidade de incorrer em acidentes de viação. Pelo contrário, num chaço barulhento e instável só assume comportamentos de risco quem não tiver amor à vida. Mas numa viatura antiga e mimada todos os dias, seria irracional o proprietário não se certificar da própria segurança – certamente, terá rendimentos suficientes para esse efeito. Mas, como de costume, os legisladores estão-se marimbando para a cautela e inteligência das pessoas. O perigo pode estar em todo o lado, portanto temos de apertar a regulamentação e temos de apertar a regulamentação porque o perigo pode estar em todo o lado. 

Mas não sejamos pessimistas. Se entretanto deixar de ser viável despender dinheiro na paixão por carros antigos com a criatividade que lhe é inerente, podem apostar em outras actividades; por enquanto ainda não ouvi falar de nenhuma proposta para regulamentar a construção e uso de carrinhos de regulamentos – embora seja mais um dos resquícios de brincadeiras tradicionais que urge ilegalizar, dada a incapacidade de muitos progenitores em protegerem a integridade física dos filhos, perante a violência iminente a que estão expostos. Aguarda-se regulamento europeu para colmatar esta falha; brinquem enquanto nenhum eurocrata vem aqui buscar-me a ideia. 

[1] http://www.telegraph.co.uk/motoring/news/9526693/Motorists-face-EU-ban-for-modifying-cars.html
[2] http://ec.europa.eu/transport/doc/roadworthiness-package/com%282012%29380.pdf
[3] http://www.dailymail.co.uk/news/article-2199311/Millions-modified-classic-cars-banned-roads-meddling-European-Union-try-shake-MOT-rules.html

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Sempre de pé atrás com a democracia

O pesadelo irremediável e decorrente da própria democracia é sempre o mesmo: escolher para todos o que a maioria acha que “faz bem à saúde”. Quem sabe como a democracia funciona não se espanta disto. O espantoso é ver alguns críticos da democracia a usarem-se do mesmo método de arrastão e aceitarem que a população fique a comer bolotas, 10 ou 20 anos, se a carência do país assim o ditar. O alvoroço de alguns que tentam assumir uma posição responsável, leva-os a incorrerem no mesmo problema e a não hesitarem em passar uma receita a toda a população, subscrevendo opções políticas com a desculpa de que não há nenhuma opção melhor. Tanta coragem junta deve ser demonstração de virilidade súbita causada pelo esforço de contenção que viciou estas pessoas a despojarem-se de tudo quanto têm para entregar ao governo de mão beijada. Outra possibilidade é estes preconizadores da austeridade ainda não lhe terem sentido o cheiro na própria casa e assim conseguem verbalizar coisas enquanto ignoram o país real.

O perigo é generalizarem sobre um povo para se revoltarem contra ele. Existem uns tipos que não querem pagar dívidas somente porque têm nostalgia da farra do passado; sim, é verdade e esses já os conhecemos. Mas, por outro lado, há quem sempre tenha rejeitado a usura; até quem deu o corpo às balas contra o sistema, reconhecendo sempre que isto não tinha nada para dar certo. Se uma percentagem considerável da população vai, ou quer, algum dia aprender, é impossível prever. Sei que existem muitos que nunca precisaram de lições para seguir uma conduta que pensa no dia seguinte.

Nesta lição do “pagamento da dívida faz bem à saúde” vale de tudo, inclusive oprimir minorias: quem nunca se identificou com as práticas dos governos; quem os ignorou ou quem os detestou; quem se isolou ou baixou os braços por saber que teimando no centralismo, qualquer esforço por reformar seria sempre frustrante; os mais velhos que descontaram e calaram durante as últimas décadas enquanto assistiram  à sua expropriação pelo rotativo espectáculo destes partidos; quem fez tudo por viver uma vida independente daquilo que o Estado apresenta de bandeja, entre outros.

Lá porque é hora de acertar contas, já é legítimo pisar estas e outras minorias e matar tudo numa só cajadada? A receita que têm para livrar um país da herança socialista é fazer um braço de ferro entre o vingativo e o caprichoso? Ainda ousam afirmar que existe consenso de todos para avançar e sacrificar. Uma razão para desgostar (eufemismo) da democracia: invariavelmente, “paga o justo pelo pecador” porque ir a tribunal agora parece que é desonra.