quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A complexa arte de ser altruísta activo

Nestes últimos dias, tem desfilado, parece-me que com intensa regularidade, a moda da contestação organizada. Aquelas manifestações frente a embaixadas, praças centrais nas grandes cidades, avenidas, numa infinidade de espaços que se abrem a todos aqueles que entendem dever marcar presença nesses eventos. Não me cabe a mim julgar sensibilidades sociais e humanitárias que eu cá categorizo como sendo noções insondáveis que favorecem muita vaidade e presunção de alguns integrantes dos tais eventos.

Prefiro não revelar publicamente a interpretação que faço de certos arranjos de exibicionismo altruísta e de práticas de contestação que marcam a daily rotine de pessoas que conheço, e prefiro não alargar aqui os meus juízos porque não gosto que me julguem por não serem descritíveis os instintos mais apurados e pessoais que vamos criando face à realidade que vamos suportando (tal como visão 3D que detecta superficialidade, hipocrisia, idealismo de ocasião…). Nem é estranho fazer-se da contestação um modo de vida; uma pessoa acostuma-se, cria laços de amizade, cria hábitos, cria dependências e, acima de tudo, constrói uma imagem e consegue influência. Pode assemelhar-se, por exemplo à regularidade das reuniões de tappawares que preenchiam muito tempo de senhoras ocupadas ou às jantaradas entre caçadores, ou às congregações em torno das paróquias.

O mais mediatizado evento do género, recentemente tem sido a Manifestações em 100 cidades contra as lapidações no Irão . Ainda estou a tentar livrar-me do sentimento de culpa por não ter estado presente pois assim não contribui de forma alguma para impedir a condenação de uma mulher por crime de adultério. A integridade inquestionável que se destaca nos que organizaram e participaram é de tal forma distinta que nem pretendo lançar nenhum ataque assim muito directo para não me sentir de consciência pesada ou do lado do mal. Já me basta uma certa sensação de estar a pactuar (fruto do maniqueísmo que entorpece e embrutece todo o pensamento e acção) com a mentalidade jurídica iraniana e com aquela teocracia escravizante e abominável (não estou a ser irónica, agora expresso mesmo repulsa!).

Neste momento prefiro tentar descortinar a posição de muitos eurofóbicos ateístas que abominam as raízes judaico-cristãs mas que são sensíveis à intolerância religiosa face ao Islão mais teocrático e compadecem-se com todos os seus caprichos em estado puríssimo. Porém, têm de engolir em seco quando confrontados com a praxis dessas mesmas sociedades (que não podem jamais ser apelidadas de retrógradas, claro, são velocidades diferentes de evolução em conjunturas particulares). É uma ginástica incrível que alguns activistas têm de fazer para se livrarem da mancha de sujidade que segue o Islão tão protegido; uma ginástica assim parecida à que um português faz quando diz que é socialista mas não é apoiante deste líder, não querendo enfrentar e suportar o peso da fama socrática, no fundo a praxis que não querem ver (pequeno aparte descontextualizado e sacana, completamente estúpido, adiante). Não digam que estou de má vontade porque se há pessoa que não pensa duas vezes antes de condenar grande parte das práticas abusivas que Islamismo promove, essa pessoa sou eu. Entristece-me eu não estar errada quando, quase sem dúvida, desconfio de qualquer repercussão eficaz destas boas intenções apregoadas nestas ruas ocidentais contra os assuntos internos do Irão.

Eu sei que nestes momentos, o que menos devia importar seriam dependências partidárias ou ideológicas mas é precisamente por esses acontecimentos estarem minados delas que se revela o desinteresse de pessoas como eu que assistem a tudo no verdadeiro palco que lhes interessa a eles, a blogosfera. Foi na blogosfera que se evidenciaram as motivações dos empreendedores da manifestação (refiro-me ao caso português, claro está) porque pouco ou nada se falou da mulher em concreto ou de detalhes jurídicos em questão. Como os pormenores legais e os contextos culturais, nacionais, blá blá blá, vão interessando pouco nos tempos que correm, também a adesão às causas é regida pela sede consumista acelerada que ignora os pormenores; é nos pormenores que geralmente reside a diferença. Outro evento que se avizinha nestes moldes é uma Concentração, contra as expulsões de ciganos em França, junto à Embaixada de França, no próximo dia 4 de Setembro. Os entusiastas somarão pontos à medida que ignoram normas internas do Estado Francês e por cada frase mesclada com as seguintes expressões: multiculturalismo, livre circulação, ilegalidade, compaixão, igualdade, protecção e imunidade. No final as pontuações serão multiplicadas em função do nº de ciganos romenos que os manifestantes se proponham a acolher nas suas próprias casas.
(- E a propósito:
1. Quem está a ser expluso de França não o está a ser por ser cigano: está a sê-lo porque se encontra em situação ilegal independentemente da etnia a que pertence.

2. A Roménia e a Bulgária ainda não são membros de pleno direito da União Europeia e por isso o tratado de Schengen não se aplica.

3. Qualquer cidadão Europeu pode ser expulso de qualquer outro país Europeu se não cumprir uma série de requisitos mínimos impostos por cada país. (via 31 da sarrafada) )

À parte destes frames que vão passando na ordem do dia, regozijando uns e desiludindo outros, prefiro deter-me a pensar numa frase de Ayn Rand (frequente e fanaticamente citada por mim):

There are two moral questions which altruism lumps together into one 'package-deal': (1) What are values? (2) Who should be the beneficiary of values? Altruism substitutes the second for the first; it evades the task of defining a code of moral values, thus leaving man, in fact, without moral guidance."

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