quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Resoluções do Ano 2013



"De boas intenções está o inferno cheio" e é bem verdade. Entre as pessoas que já conheci, as mais desorganizadas, inconsequentes e descontroladas eram precisamente aquelas que mais se mobilizavam na típica histeria das resoluções de Ano Novo. Como se não bastasse o entusiasmo ritualístico dos vários "vou ser bonzinho e pedir perdão a toda a gente", "começarei a fazer desporto e perderei 10 kg em Janeiro", "pouparei metade do ordenado a cada mês", "vou deixar de criticar o meu patrão", nos entretantos ainda nos dizem, com ar repreensivo de mestre "então, e tu não tens nada a corrigir, seu passivo?". Conhecendo o historial pouco exemplar dessas pessoas, conseguimos controlar a fúria ao recordar que são casos de "muita parra e pouca uva".

Recordo-me sempre que costumo lucrar ao preferir não elevar muito as expectativas, reservar-me a um pessimismo que me garante ser, de vez em quando, agradavelmente surpreendida, e aceitar as falhas como inerentemente humanas e passíveis de moderar com ajuda dos conselhos da experiência acumulada – a minha e a dos outros. Pelo contrário, aquela atitude de procurar escapar aos vícios numa perpétua tentativa de redenção rotativa e de novos começos, esbarra com a realidade.

Assemelha-se muito à gestão de expectativas e de tomadas de decisão da nossa democracia. Tal como não acreditamos que aquela nossa colega de trabalho consiga ter a língua menos afiada nas primeiras horas de trabalho de Janeiro, nem que o nosso colega dos petiscos reduza o peso até ao Verão, da mesma forma é ingénuo depositar demasiada esperança na dieta do Estado e na escolha das suas melhores companhias. Não é defeito, é feitio. Depois a privatização de um canal público de televisão é tão manhosa da mesma maneira que o nosso colega de turma nos torna a entregar a sua parte do trabalho, fora de horas e com as aldrabices habituais. É a via dos resultados imediatos, do facilitismo tolerado porque tornado padrão, do culto da burla e do chico-espertismo. Na mesma linha, também ninguém mete a mão na massa quanto à queda anunciada da segurança social, nem numa reforma séria do ensino superior, à semelhança daquele nosso vizinho que continua a chegar atrasado ao emprego por coordenar mal os filhos na rotina matinal e por se acanhar de os despertar mais cedo. Depois a alienação silenciosa do sector produtivo e da soberania nacional é embalada ao som de um jornalismo descuidado, capturado e pervertido, à semelhança da esposa que continua a desleixar-se, andando em casa com os rolos no cabelo, enquanto o marido pisca o olho à mulher alheia. Por fim, temos a banalização dos resgates financeiros. Os resgates deixam de ser encarados como humilhação e passam a assumir tom de exigência e reclamação em nome da solidariedade, tal como aquele nosso familiar perdulário que emaranha-se em dívidas para viajar, porque sempre foi assim e sempre encontraram uma solução...a vida são dois dias.

O típico indivíduo desovado na era da estatização total da acção humana, pouco habituado a prestar contas, a enfrentar as consequências da perda de prestígio decorrentes de más decisões e comportamentos inconvenientes, avesso a reconhecer os infortúnios da natureza, as aptidões e sortes desiguais, socialmente desenraizado e economicamente desresponsabilizado, é a criatura que adere, tanto aos objectivos bacocos subitamente inspirados pela passagem de ano, como às promessas eleitoralistas dos sucessivos desgovernos; ambas, infantilidades irrealistas e soluções miraculosas que nunca passam do papel.

Ninguém melhor que Ortega y Gasset para expressar-nos bem esta ideia:

«Un ventarrón de farsa general y omnímoda sopla sobre el terruño europeo. Casi todas las posiciones que se toman y ostentan son internamente falsas. Los únicos esfuerzos que se hacen van dirigidos a huir del propio destino, a cegarse ante su evidencia y su llamada profunda, a evitar cada cual el careo con ese que tiene que ser. Se vive humorísticamente, y tanto más cuanto más tragicota sea la máscara adoptada. Hay humorismo dondequiera que se vive de actitudes revocables en que la persona no se hinca entera y sin reservas. El hombre-masa no afirma el pie sobre la firmeza inconmovible de su sino; antes bien, vegeta suspendido ficticiamente en el espacio.» La rebelión de las masas

(Em inglês, é capaz de dar-vos jeito «A hurricane of farsicality, everywhere and in every form, is at present raging over the lands of Europe. Almost all the positions taken up and proclaimed are false ones. The only efforts that are being made are to escape from our real destiny, to blind ourselves to its evidence, to be deaf to its deep appeal, to avoid facing up to what has to be. We are living in comic fashion, all the more comic the more apparently tragic is the mask adopted. The comic exists wherever life has no basis of inevitableness on which a stand is taken without reserves. The mass-man will not plant his foot on the immovably firm ground of his destiny, he prefers a fictitious existence suspended in air.»The Revolt of Masses)

Uma sociedade não pode nortear-se por "resoluções de ano novo". Nesta viragem para o ano 2013, seria conveniente olhar mais para o passado e inventar menos acerca do futuro. Menos ao arrepio da realidade e mais conscientes dos vícios que vão sempre retornar se não tivermos por referência a falibilidade do comportamento humano e a natural conspurcação da democracia centralista. Será desejável desconstruir menos as bases em que a nossa história está sustentada, parar de seguir a lógica cíclica e infantilizante das mudanças, correcções e congratulações rápidas e dar mais primazia à continuidade do que às rupturas. Se a pista de corrida é curta demais, o nosso maquinão nunca chegará a atingir velocidades dignas que se vejam.

Publicado no blog Estado Sentido.

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