sábado, 23 de outubro de 2010

Não há Tempo

Os compromissos aceleram o tempo e os interesses tão aguardados estancam-me o calendário. A canseira da responsabilidade regular, quando desagradável, não me pede permissão para fazer sucumbir horas, angustiar a minha dose de sossego diária…Horas daquelas…prefiro queimá-las e não pensar em nada; olhar para o tecto é mais compensador que ouvi-los falar. Não vou marcar hora, não vou chegar atrasada, nem antes da hora porque a hora não existe, foi marcada por alguém; vou chegar.

Posso controlar o tempo porque sei que não há tempo, há sucessão de acções e inacções que consomem mais ou menos energia, que são vividas com maior ou menor entusiasmo e depois, existem longos intervalos de ansiedade que tardam a ver chegar a parte boa, a que se quer e que, por sua vez, quando vem, revela-se veloz e fugitiva. O tempo é doloroso porque impõem a ilusão de uma indesmentível perda daquilo que já foi, obrigação de gula no presente e tédio pela incerteza do sucesso correspondido no futuro. O tempo é doloroso porque se traz leveza pensar na chegada dos bons momentos, esse pensamento retarda o passar de cada minuto e pode tornar o anseio mais frustrado ou mais fortalecido, lembra-nos também que se nos tornamos servos da agenda laboral e ordinária, isso consumirá a margem de manobra dos nossos afazeres, embora nos livre mais depressa do seu peso e nos faça chegar ao tal bom momento que teria tardado mais se tivesse o pensamento fixo nele permanentemente.

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Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.

Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

Alberto Caeiro

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